Através do livro de poesias “Um livro vermelho para Lênin” do poeta guerrilheiro Roque Dalton descobri que Lênin teria escrito um poema longo e épico e que não constava em suas Obras Completas. No livro de Dalton, aparece um trecho desse poema. Pesquisando na internet, consegui achar a versão integral traduzida para o espanhol por Waldo Rojas (que partiu da versão em francês de Gregoire Alexinsky).
O poema foi escrito durante a primavera de 1907, ano em que Lênin passou em Selvista, aldeia da Finlãndia. Ali pode descansar um ano e meio da intensa atividade política quase sempre na clandestinidade. Durante sua estadia na aldeia manteve grandes discussões sobre literatura revolucionáría e criação poética com Piotr Al. Para ilustrar essas discussões Lênin escreveu em três dias este poema. Esse poema seria publicado na revista de Ginebra Raduga (Arcoiris) dirigida por Piotr Al, mas a publicação se desfez antes de incluir em suas páginas este poema que seria assinada por “Um russo”.
Literariamente não é muito valioso, mas é uma peça importante pra compreender esse grande pensador russo e como ele enxergava a revolução de 1905. Até onde vi, esta é a primeira tradução para o português.
O único poema de Lênin conhecido
Tempestuoso ano aquele. Os Furacões sobrevoavam
o país inteiro. Se desatavam as nuvens carregadas,
sobre nós se precipitava a tempestade, e o granizo e o trovão.
Feridas
Se abriam nos campos e nas aldeias debaixo dos golpes do chicote terrestre.
Estalavam os raios, os relâmpagos retumbavam violência.
O calor queimava sem piedade, os peitos estavam oprimidos
E o reflexo dos incêndios iluminava
as trevas mudas das noites sem estrelas
Transtornados os elementos e os homens,
os corações oprimidos por uma inquietude obscura,
ofegavam os peitos de angústia,
ressecadas as bocas se cerravam.
Mártires aos milhares morreram nas tempestades sangrentas,
mas não em vão sofreram eles o que sofreram, sua coroa de espinhos,
Pelo reino da mentira e das trevas, por entre escravos hipócritas,
eles passaram como as tochas do porvir.
Com traço de fogo, com um traço indelével,
eles gravaram diante de nós a via do martírio,
e na carta da vida, estamparam o selo do opróbio
sobre o jugo da escravidão e da vergonha das correntes…
O frio se intensificava. As folhas murchavam e caíam
E colhidas pelo vento se amontoavam em uma dança macabra.
Vem o Outono cinza e pútrido,
lacrimejante de chuva, sepultado de barro negro.
E para os homens a vida se fez detestável e opaca.
Vida e morte lhes foram igualmente insuportáveis,
Os rondavam sem trégua a cólera e angústia.
Frios e vazios e escuros seus corações como seus lares.
E de repente, a Primavera! Primavera em pleno Outono putrefeito,
A Primavera Vermelha descendo sobre nós, bela e luminosa,
Como um presente dos céus ao país triste e miserável,
Como uma mensageira da vida.
Uma aurora escarlate como uma manhã de maio
Se levantou no céu abafado e triste;
O sol vermelho, cintilante, com a espada de seus raios
Perfurou as nuvens e se dissipou a mortalha da bruma.
Como o fogo de um farol no abismo do mundo,
Como a chama do sacrifício no altar da natureza,
Aceso para a eternidade por uma mão desconhecida,
Conduziu até a luz os povos adormecidos.
Rosas vermelhas nasceram de sangue ardente,
flores de púrpura se abriram,
e sobre as tumbas esquecidas
trançaram coroas de glória.
Atrás do carro da liberdade,
e brandando a bandeira vermelha
fluiam multidões semelhantes a rios,
como o despertar das águas com a primavera.
Os estandartes vermelhos palpitavam sobre o cortejo,
se elevou o hino sagrado da liberdade
e o povo cantou com lágrimas de amor
uma marcha fúnebre para seus mártires.
Era um povo jubiloso,
seu coração transbordava de esperanças e de sonhos,
todos criam na liberdade que viria,
desde o sábio ancião até o adolescente.
Mas o despertar segue sempre ao sonho.
A realidade não tem piedade.
E à beatitude das fantasias e da embriaguez
segue a amarga decepção.
As forças das trevas se agarravam nas sombras,
arrastando e vaiando o povo. Esperavam.
E repentinamente fundiram seus dentes e suas navalhas,
nas costas e nos calcanhares dos valentes.
Os inimigos do povo, com suas bocas sujas,
Bebiam o sangue quente e puro
quando os inocentes amigos da liberdade
esgotados por penosas caminhadas,
foram pegos de surpresa, sonolentos e desarmados.
Se esfumaram os dias de luz,
os substitui uma série interminável e maldita de dias negros.
A luz da liberdade e os sol se extinguiram.
Um olhar de serpente espreita nas trevas.
Os assassinos sem escrúpulos, os progroms, o lodo das denúncias,
(progrom: assassinato e saqueio de judeus)
são proclamados atos de patriotismo,
e o rebanho negro se regozija
com um cinismo sem freio,
Salpicada com o sangue das vítimas da vingança,
mortas com um pérfido golpe
sem razão nem piedade,
vítimas conhecidas e desconhecidas.
No meio de vapores de álcool, madizendo, mostrando o punho,
com garrafas de vodka nas mãos, multidões de pilantras,
Correm, como um tropel de bestas,
Fazendo soar as moedas da traição,
E bailam uma dança de apaches.
Mas Emilinho, o pobre idiota,
(Yemelia:diminutivo de Yemelian (Emiliano), entre os russos é sinônimo de idiota)
a quem as bombas tornaram mais tonto e assustadiço, treme como um rato,
E em sua festança ajeita com aprumo a insígnia dos Cem Negros.
(Cem Negros:partido czarista, policial, anti-semita e reacionário, precursor russo do nazismo)