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terça-feira, 30 de novembro de 2010

Tela: Um réquiem para o imperialismo, de AMCG

Pintura que retrata a destruição das torres gêmeas dos EUA por forças fundamentalistas islâmicas, que no que pesem nossas divergências, têm sofrido o pior que o império pode oferecer: morte e destruição da vida e dos valores dos povos. Mais uma obra do genial Alexandre Magno da Cunha Gomes. Na próxima postagem sobre pinturas, apresentaremos a última fotografia que temos de suas obras, e ficamos aguardando o envio de mais imagens, seja pelo próprio autor, seja por aqueles que possuem obras do Magaiver, como é carinhosamente conhecido em BH, sua cidade-natal. Fuerza en España, compañero!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Carta a Stalingrado

Carta a Stalingrado [*]

Carlos Drummond de Andrade


Stalingrado...
Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades!
O mundo não acabou, pois que entre as ruínas
outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,
e o hálito selvagem da liberdade
dilata os seus peitos, Stalingrado,
seus peitos que estalam e caem,
enquanto outros, vingadores, se elevam.

A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais.
Os telegramas de Moscou repetem Homero.
Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novo
que nós, na escuridão, ignorávamos.
Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída,
na paz de tuas ruas mortas mas não conformadas,
no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das bombas,
na tua fria vontade de resistir.

Saber que resistes.
Que enquanto dormimos, comemos e trabalhamos, resistes.
Que quando abrimos o jornal pela manhã teu nome (em ouro oculto) estará firme no alto da página.
Terá custado milhares de homens, tanques e aviões, mas valeu a pena.
Saber que vigias, Stalingrado,
sobre nossas cabeças, nossas prevenções e nossos confusos pensamentos distantes
dá um enorme alento à alma desesperada
e ao coração que duvida.

Stalingrado, miserável monte de escombros, entretanto resplandecente!
As belas cidades do mundo contemplam-te em pasmo e silêncio.
Débeis em face do teu pavoroso poder,
mesquinhas no seu esplendor de mármores salvos e rios não profanados,
as pobres e prudentes cidades, outrora gloriosas, entregues sem luta,
aprendem contigo o gesto de fogo.
Também elas podem esperar.

Stalingrado, quantas esperanças!
Que flores, que cristais e músicas o teu nome nos derrama!
Que felicidade brota de tuas casas!
De umas apenas resta a escada cheia de corpos;
de outras o cano de gás, a torneira, uma bacia de criança.
Não há mais livros para ler nem teatros funcionando nem trabalho nas fábricas,
todos morreram, estropiaram-se, os últimos defendem pedaços negros de parede,
mas a vida em ti é prodigiosa e pulula como insetos ao sol,
ó minha louca Stalingrado!

A tamanha distância procuro, indago, cheiro destroços sangrentos,
apalpo as formas desmanteladas de teu corpo,
caminho solitariamente em tuas ruas onde há mãos soltas e relógios partidos,
sinto-te como uma criatura humana, e que és tu, Stalingrado, senão isto?
Uma criatura que não quer morrer e combate,
contra o céu, a água, o metal, a criatura combate,
contra milhões de braços e engenhos mecânicos a criatura combate,
contra o frio, a fome, a noite, contra a morte a criatura combate,
e vence.

As cidades podem vencer, Stalingrado!
Penso na vitória das cidades, que por enquanto é apenas uma fumaça subindo do Volga.
Penso no colar de cidades, que se amarão e se defenderão contra tudo.
Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres,
a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.

[*] Extraído do livro A Rosa do Povo (poemas escritos entre 1943 e 1945). Rio de Janeiro: Record, 1987

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Tela de Alexandre Magno da Cunha Gomes

Pintor comunista radicado na Espanha, Alexandre Magno (Magaiver) produziu este obra em 2001 sobre poesia de Daniel Oliveira, intitulada, assim como o quadro, de "Pau-ôco".

terça-feira, 23 de novembro de 2010

O Vosso Tanque General, É Um Carro Forte


Derruba uma floresta esmaga cem
Homens,
Mas tem um defeito
- Precisa de um motorista

O vosso bombardeiro, general
É poderoso:
Voa mais depressa que a tempestade
E transporta mais carga que um elefante
Mas tem um defeito
- Precisa de um piloto.

O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito
- Sabe pensar

...

Bertolt Brecht

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Mesma cena







Mas que tipo de nação
Onde chuva é benção e maldição
Veja o companheiro a situação
O tesouro que cai do céu,
que faz a terra fecundar,
brota terra e caixão.
Traz esperança e mal-querência
como diz a primeira-velha de lá:
"Fugimos da seca pra otra vida lidar,
e a chuva orgulhosa nos perseguiu a enterrar."

Mas se a chuva mata, é porque quem pode evitar
retrai sua mão plena de moedas a praguejar:
"Que votem! Deixem votar! A natureza é sabia.
Não façam nada, que depois de eleito, talvez,
coroas de flores molhadas hão de ganhar."

Mas que tipo de nação
Onde chuva é benção e maldição
Veja o companheiro a situação



Daniel Oliveira
Minas Gerais/2010

domingo, 21 de novembro de 2010

Velho Graça


"Fizeram alto. E Fabiano depôs no chão parte da carga, olhou o céu, as mãos em pala na testa. Arrastara-se até ali na incerteza de que aquilo fosse realmente mudança. Retardara-se e repreendera os meninos, que se adiantavam, aconselhara-os a poupar forças. A verdade é que não queria afastar-se da fazenda. A viagem parecia-lhe sem jeito, nem acreditava nela. Preparara-a lentamente, adiara-a, tornara a prepará-la, e só se resolvera a partir quando estava definitivamente perdido. Podia continuar a viver num cemitério? Nada o prendia àquela terra dura, acharia um lugar menos seco para enterrar-se. Era o que Fabiano dizia, pensando em coisas alheias: o chiqueiro e o curral, que precisavam conserto, o cavalo de fábrica, bom companheiro, a égua alazã, as catingueiras, as panelas de losna, as pedras da cozinha, a cama de varas. E os pés dele esmoreciam, as alpercatas calavam-se na escuridão. Seria necessário largar tudo? As alpercatas chiavam de novo no caminho coberto de seixos." (Vidas secas, Graciliano Ramos)

sábado, 20 de novembro de 2010

SOU NEGRO

SOU NEGRO

A Dione Silva

Sou Negro
meus avós foram queimados
pelo sol da África
minh'alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs
Contaram-me que meus avós
vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço plantaram cana pro senhor do engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu.

Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi
Era valente como quê
Na capoeira ou na faca
escreveu não leu
o pau comeu
Não foi um pai João
humilde e manso

Mesmo vovó não foi de brincadeira
Na guerra dos Malês
ela se destacou

Na minh'alma ficou
o samba
o batuque
o bamboleio
e o desejo de libertação...
 

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Hoje me falaram em virtude


Hoje me falaram em virtude
Tudo muito rito, muito rígido
Com coisinhas assim mais ou menos
Sentimentais.

Tranças faziam balanças
Nas grandes trepadeiras
Estávamos todos por conta de.

Nascinaturos espalhavam moedinhas
Evidentemente estavam bricando
Pois evidentemente, nos tempos atuais
Quem espalha moedas
Ou é louco, ou é porque
está brincando mesmo.
O que irritou foi o porque.



Pagu/Patricia Rehder Galvão


Do livro: "Pagu - Patrícia Galvão - Vida-Obra", Editora Brasiliense, 1982, SP

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O Demo!

- Deus me livre do Demo!

Disse exaltada, a senhora respeitada

da alta sociedade burguesa,

crente na beatitude de sua

conduta diária.



Ignorava a origem

Radical

do significado

Povo?



Robson Ceron

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A tus cien años y a nuestros años cien

Ahora el tiempo se anuncia
lo importante es banal
los hombres y la basura
quien come a quien
palabras fuera de moda
la miseria en el informativo
todos quieren circo
anestesia sin pan
los hombres no dicen basta
llegamos a ningún lugar
la masa, el fermento, la lágrima
todo lo que es torpe y se llama madre
todo lo que es sin nombre
todo lo que no vale la hoja
un papel bordado y dos cigarros en la mano
un siglo que se cierra sin decir adiós


Daniel Oliveira

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Educación para la piedra

Educación para la piedra

Por más que yo pregunte
que intente entender
la naturaleza de piedra
que existe en mi ser

Por más que yo llore
que intente quebrar
con lágrimas sinceras
ésta mi cárcel y casa

Por más que yo luche
grite o suicide
se que solo
de los grilletes
no voy a soltarme
Preciso de alguien
tal como ave
que dentro del huevo
ya sabe
que su destino es volar

Preciso del amor
de otro corazón
que junto al mío
podrá desvendar
la naturaleza de piedra
y de ella liberarme


Hallisson Nunes Gomes
Tradução: Lurdes Gomez

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

GULLAR XXI

GULLAR XXI
Dedicado à Thiago de Mello

Ainda hoje me lembro
com boa memória,
como se o tempo tivesse parado
e me congelado no instante em
                                      que te vi;
_Coisa fantástica é essa!
Sorri, gargalhei, entrei em pranto.
Contigo aprendi que dois e dois
nem sempre são quatro,
pelejei junto à ti contra o Tio Sam
em plena maçã, contemplei belezas
mais lindas do que uma deslumbrante
bolinha prateada de um maço qualquer,
atirado ao sol por homem ou fêmea fumante,
mais lindas até do que uma plataforma
da Petrobrás em alto mar iluminada.
Vi também uma revolução que nascia
nos seus versos barbados e honestos.
Pude comprovar a importância crucial
de um vassoureiro e um barbeiro
para o desenvolvimento da história nacional.

Vi tanta coisa.
Agora não vejo nada.

O Gullar XXI estrangulou com mãos frias o Gullar XX.
Trancou os restos em um cofre bem fundo,
que é para que o morto não gritasse,
como gritou a alma radiante de Herzog ao ser suicidado.

Você se matou, Gullar,
e pôs outro em seu lugar.

Seu discurso se perdeu.
E o que é um poeta sem discurso, Gullar?
Um poeta sem bandeira?
Sem sonhos?
Paixão?

O que é você, Gullar XXI?
(Me indago, porém de antemão
trago em mim a resposta)

Você acreditou demais nos homens,
E você duvidou demais dos homens
(certas coisas são válidas apenas em poesia)
E se esqueceu de acreditar em si
no seu compromisso consigo
na relação com o outro que nasce da vida,
seja ela como for, e você se isolou, Gullar XXI.

Em sua torre de vidro,
fez ninho fortificado.

No entanto, a história não para, Gullar.
A história é dinâmica e dialética,
por mais que lhe doa saber,
morrerá, e todo seu conhecimento,
sua alta intelectualidade, morrerá,
e seu cadáver pálido não brilhará, Gullar
(Porque morrestes há tempos)

Quando mais precisávamos de você; morreu.
Gostaria de ser mais claro - balanço:
Você parte sem dizer adeus, e em volta do seu
caixão, a mais fina nata da aristocracia nacional.

Morre, Gullar, morre.
Não é a saudade que fica, é a obra-primeira,
e essa permanece ancestral, latente, viva.

Se dela nascer uma flor que seja,
Mostrará que finalmente o Gullar XX
descobriu a senha para se libertar do cofre.

Daniel Oliveira
Sabará/MG
10/11/2010

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Armas Químicas & Poemas

Armas Químicas & Poemas
Engenheiros do Hawaii
Composição: Humberto Gessinger

Eu me lembro muito bem, como se fosse amanhã
O sol nascendo sem saber o que iria iluminar
Eu abri meu coração como se fosse um motor
E na hora de voltar sobravam peças pelo chão
Mesmo assim eu fui à luta... eu quis pagar pra ver

Aonde leva essa loucura
Qual é a lógica do sistema
Onde estavam as armas químicas
O que diziam os poemas

Afinal de contas
O que nos trouxe até aqui, medo ou coragem?
Talvez nenhum dos dois
Sopra o vento da paz pela praça
E já foi... já foi
Por acaso eu fui à luta... eu quis pagar pra ver

Aonde leva essa loucura
Qual é a lógica do sistema
Onde estavam as armas químicas

O que diziam os poemas

O tempo nos faz esquecer o que nos trouxe até aqui
Mas eu lembro muito bem como se fosse amanhã

Quem prometeu descanso em paz
Pra depois dos comerciais?
E quem ficou pedindo mais
Armas químicas e poemas?

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Sêmen

Sêmen
Mestre Ambrósio
Composição: Siba e Bráulio Tavares

Nos antigos rincões da mata virgem
Foi um sêmen plantado com meu nome
A raiz de tão dura ninguém come
Porque nela plantei a minha origem
Quem tentar chegar perto tem vertigem
Ensinar o caminho, eu não sei
Das mil vezes que por lá eu passei
Nunca pude guardar o seu desenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?

Esse longo caminho que eu traço
Muda contantemente de feição
E eu não posso saber que direção
Tem o rumo que firmo no espaço
Tem momentos que sinto que desfaço
O castelo que eu mesmo levantei
O importante é que nunca esquecerei
Que encontrar o caminho é meu empenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?

Como posso saber a minha idade
Se meu tempo passado eu não conheço
Como posso me ver desde o começo
Se a lembrança não tem capacidade
Se não olho pra trás com claridade
Um futuro obscuro aguardarei
Mas aquela semente que sonhei
É a chave do tesouro que eu tenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?

Tantos povos se cruzam nessa terra
Que o mais puro padrão é o mestiço
Deixe o mundo rodar que dá é nisso
A roleta dos genes nunca erra
Nasce tanto galego em pé-de-serra
E por isso eu jamais estranharei
Sertanejo com olhos de nissei
Cantador com suingue caribenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?

Como posso pensar ser brasileiro
Enxergar minha própria diferença
Se olhando ao redor vejo a imensa
Semelhança ligando o mundo inteiro
Como posso saber quem vem primeiro
Se o começo eu jamais alcançarei
Tantos povos no mundo e eu não sei
Qual a força que move o meu engenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?

E eu
Não sei o que fazer
Nesta situação
Meu pé...
Meu pé não pisa o chão.

sábado, 6 de novembro de 2010

Poesia-Consumo (ou Dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola e pickles em um pão com gergelim)

Tenha vontade, compre, não importa
se não precisa.

Compre, compre.

É belo, é novo, é moda.
Use e abuse mas, depois jogue fora.
Carro do ano, utilitários,
a maior novidade de todos
os tempos da última semana.

Compre, compre.

Embalagem descartável,
produto descartável,
amizade descartável,
Vida descartável.

Poesia descartável para ser consumida na
fila do cinema (ante-sala da pizza).
Culinária descartável, enlatado
americano para ser consumido à espera
do sexo mercantilizado. Sexo descartável
consumido à espera do amor. Amor mercantil.
Amor para ser consumido à espera da vida.

Vida comprada e vendida em drive thrus.

Basta! Olhai os lírios do campo.


Daniel Santos Braga