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quinta-feira, 17 de março de 2011

Nana Krishna Andrade - Do Corpo à Terra


A manifestação Do Corpo à Terra: a presença da Arte Guerrilha no início no Brasil

A partir dos anos 60, os artistas plásticos brasileiros redirecionaram suas temáticas e discussões de um enfoque estético para um outro politicamente e socialmente engajado, dadas as circunstâncias políticas em que o país se encontrava diante da ditadura militar. Os ideais das esquerdas armadas lideradas pelo PCB e os posicionamentos já tomados por artistas de outras áreas, radicalizaram formalmente os discursos visuais desses artistas plásticos, já há muito influenciados pelos movimentos neovanguardistas internacionais.
Este artigo pretende tratar sucintamente, dessa arte engajada politicamente, intitulada de Arte Guerrilha, assim como da manifestação Do Corpo à Terra, ocorrida em 1970, na cidade de Belo Horizonte. Essa manifestação se constituiu o auge do movimento da Arte Guerrilha e encerrou a importante trajetória das exposições artísticas antes da instauração do AI-nº5.

A proposta da Arte Guerrilha e seus principais expoentes

Arte Guerrilha foi o nome dado, pelo crítico de arte Frederico Morais, a uma atuação mais radical em termos de postura política, dos artistas plásticos brasileiros em meados da década de 1960.
Os artistas adeptos dessa forma mais efetiva de produção estética estavam fortemente influenciados pela Pop Art, pela Arte Conceitual e pelas tendências de desmaterialização na arte. Unem-se a essas influências das neovanguardas, os idéais revolucionários das guerrilhas armadas da Esquerda, tanto brasileira, quanto as de outros países latino-americanos.
A produção das obras e a divulgação das propostas da Arte Guerrilha se davam de maneira a aproximar o grande publico, por isso, para as ações dessa arte eram utilizados os Happenings, as performances, as grandes instalações, o farto uso dos objetos do universo do cotidiano popular e do material de publicidade e propaganda.
Cildo Meireles, um dos artistas desse grupo, montou, por exemplo, em 1968 a instalação Desvio para o vermelho, que consistia em um ambiente onde todos os móveis e adornos eram vermelhos e em um canto escuro um líquido, da mesma cor dos objetos da sala, cai sobre uma pia inclinada. O efeito perturbador desse cômodo deixou claro o caráter alegórico da obra, que se referia à ditadura militar e à violência no país. “No caso de Desvio para o vermelho, a metáfora política da violência armada foi uma abordagem possível a partir da envolvente impressão cromática instaurada pelo artista. A cor toma conta do olhar e se transforma em símbolo, notadamente de uma violência relacionada ao desejo revolucionário.”1
O artista pop Antonio Manuel também participou ativamente desse período de convulsão social. Suas obras passaram a retratar de forma corajosa o momento político do país e as grandes manifestações nas ruas. Para conseguir tal resultado artístico, Manuel se utilizava de colagens de jornais e imagens serigrafadas. Por algumas vezes, suas obras foram consideradas subversivas, e proibidas de serem expostas como no Salão de Brasília em 1967, ou na Bienal baiana de 1968. 2
Outros artistas igualmente importantes da Arte Guerrilha, foram Artur Barrio, Thereza Simões, Guilherme Vaz, Raimundo Colares, Odila Ferraz, Luis Alphonsus, entre outros. Frederico Morais, entusiasmado com o ideário revolucionário da contracultura do filósofo Marcuse, publica o artigo Contra a Arte.
E foram com esses ideais que Frederico Morais escreveu o Manifesto Do corpo à Terra e realizou a exposição de mesmo nome, em 1970 no Palácio das Artes em Belo Horizonte.

A manifestação Do Corpo à Terra


Em abril de 1970, Belo Horizonte é palco de importantes exposições da Arte Guerrilha: a manifestação Do Corpo à Terra e as exposições Objeto e Participação e Brasil, A festa, a construção: arte total. As duas primeiras foram organizadas por Frederico Morais, a convite de Mari’Stella Tristão, então diretora artística do Palácio das Artes, que era inaugurado naquele ano.
Frederico Morais escreveu o manifesto Do Corpo à Terra proclamando a importância social e política das artes para a formação da identidade nacional. E como seus ideais revolucionários de liberdade eram a tônica naquele momento histórico tão repressor, Morais ampliava o debate sobre o real valor da arte, do espaço da arte e do objeto da arte. Sob a concepção de Maiakovski, de que a arte tinha que ser organizada e compreendida, Morais aceitava a idéia de que a arte precisava ser praticada por todos continuamente.
A manifestação Do Corpo à Terra tinha como proposta principal atingir o publico urbano através de ações artísticas originadas principalmente na Arte Conceitual. O espaço institucional da galeria assim como o seu entorno, faziam parte do projeto estético de romper os antigos meios de exposição artística. Dessa forma Frederico Morais conseguiria seu objetivo de democratizar a arte, pelo menos ela, e fazer dela instrumento contestador das ordens estabelecidas pelos sistemas políticos, econômicos e sociais. “A arte perdeu a aura mítica e aristocrática e não exige mais do espectador êxtase contemplativo, passividade. Propõe uma relação de dependência na qual o seu desenvolvimento, desabrochar ou crescimento depende da escolha ou vontade do expectador.” 3

Artistas e algumas obras expostas em Do Corpo à Terra
A manifestação Do Corpo à Terra foi constituída pelos artistas Artur Barrio, Cildo Meireles, Décio Noviello, Dilton Araújo, Eduardo Ângelo, José Ronaldo Lima, Lee Jaffe, Lotus Lobo, Luciano Gusmão, Luiz Alphonsus, além do próprio organizador, o crítico Frederico Morais. As obras apresentadas continham o teor agressivo da Arte Guerrilha e a complexidade formal da Arte Conceitual.
Cildo Meireles realizou, durante a manifestação, um happening intitulado Tiradentes – Totem monumento ao preso político, que consistiu em amarrar dez galinhas vivas em uma estaca de madeira e lançar-lhes fogo. Para Paulo Herkenhoff esse trabalho é um dos mais radicais e diversificados na forma de apresentá-lo, pois “cruzava diversos níveis de linguagem que iam da metáfora à crueza material”4. Porém foi a pesquisadora Marilia Andrés Ribeiro quem melhor observou o teor político dessa obra, afirmando que “o sacrifício de animais em homenagem a Tiradentes se constituiu no signo da indignação e da revolta contra o assassinato dos militantes políticos nas prisões brasileiras”.5
O artista português Artur Barrio chocou os espectadores, e mobilizou os policiais de Belo Horizonte, ao arremessar no Ribeirão Arrudas, trouxas contendo carne bovina envoltas em tecidos tingidos de vermelho, amarrados com cordas, simulando corpos humanos. Barrio, assim como Cildo Meireles, propunha uma reflexão a respeito do destino dos presos políticos desaparecidos no período da ditadura militar. Sua obra foi intitulada Trouxas.
Frederico Morais também participou com sua obra Arqueologia do Urbano: Escavar o Futuro. Quinze Lições sobre Arte e História da Arte: Homenagem e Equações.
Outras obras, igualmente importantes, propuseram uma transformação do espaço artístico e urbano da cidade de Belo Horizonte, são algumas delas: Intervenção na Serra do Curral, de Hélio Oiticica e Lee Jaffe, foi uma proposta de Land Art, com trilha de açúcar na terra. Napalm de Luiz Alphonsus consistia em uma faixa de plástico de 15m queimada no Parque Municipal, uma alusão a Guerra do Vietnã.
Este artigo demonstra que Movimentos como Do Corpo à Terra, e a Arte Guerrilha comprovam como os artistas brasileiros estavam muito bem organizados e dispostos, através de exposições, manifestações e debates, a participarem das lutas políticas contra o governo militar.
Essa espécie de organização possibilitou ainda, novas maneiras do fazer artístico brasileiro, e os resultados dessas produções das décadas de 1960 e 1970, constituem hoje importantes referências estéticas, impulsionando a visibilidade dos artistas brasileiros nos ambientes artísticos internacionais.
1 LAGNADO, Lisette. Cildo Meireles: desvio para a interpretação. In: BIENAL INTERNACIONAL DE SÃO PAULO, 24. , 1998, São Paulo. Núcleo histórico: antropofagia e histórias de canibalismos. Curadoria Paulo Herkenhoff, Adriano Pedrosa; apresentação Paulo Herkenhoff, Francisco Weffort. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 1998. p. 399.
2 FREITAS, Artur. Arte e contestação: uma interpretação das artes plásticas nos anos de chumbo -1968 – 1973. Dissertação de mestrado em História, UFPR, 2003.

3 RIBEIRO, Marília Andrés. NEOVANGUARDAS: Belo Horizonte, anos 60. Belo Horizonte: C/Arte, 1997. 24 p.
4 MEIRELES, Cildo. Geografia do Brasil. Texto Paulo Herkenhoff. Rio de Janeiro: Artviva Produção Cultrual,2001. 100 p.: il. color.
5 RIBEIRO, Marília Andrés. NEOVANGUARDAS: Belo Horizonte, anos 60. Belo Horizonte: C/Arte, 1997. 24 p

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