Quando João Dummar funda a Ceará Rádio Clube, a PRE-9, em 1934, José
Jatahy, possuidor de potente voz, já era conhecido como o grande
seresteiro de Fortaleza. A primeira rádio do Ceará formava pouco a
pouco sua equipe de profissionais e o cantor boêmio foi o primeiro
contratado pela emissora e seria durante algum tempo sua grande
atração. Juntaram-se a ele Moacir Weyne, Romeu Menezes, João Milfont e
Lauro Maia, afora os frequentadores dos programas de auditório
apresentados semanalmente contando já com o acompanhamento da orquestra
da própria rádio.
Ásperos tempos
Os anos 30, porém, estavam mais para a luta do que para a boemia. O
fascismo tomava conta da Europa com a ascensão de Hitler na Alemanha e
a vitória de Franco na Espanha.
O mundo estava em pé de guerra e os
comunistas se empenhavam na luta pela paz chamando a todos os
democratas a concertarem a frente única antifascista.
No Brasil, a década havia começado com o golpe de Estado comandado por
Getúlio Vargas. Em seguida à reação dos latifundiários paulistas em 32,
as classes dominantes – frações da grande burguesia e latifúndio -
acertam suas diferenças sob a hegemonia do bloco germanófilo liderado
por Vargas. Os comunistas brasileiros, atendendo ao chamado da
Internacional Comunista, organizam a Aliança Nacional Libertadora e o
levante popular de 1935. A derrota do levante é seguida de uma tremenda
repressão sobre os lutadores do povo. São os ásperos tempos tão bem
descritos por Jorge Amado em Os subterrâneos da liberdade.
A professora cearense Bárbara Cacau dos Santos, que realizou pesquisa
sobre o movimento sindical do Ceará entre 1957 e 1964, mais
especificamente sobre o Pacto de Unidade Sindical para sua tese de
mestrado do Departamento de História da UFC, levantou significativas
informações sobre a biografia de José Jatahy a partir, inclusive, de um
depoimento seu ao Arquivo Fonográfico de Miguel Ângelo de Azevedo, o
Nirez, em Fortaleza.
Após ser escolhido o melhor cantor do Ceará em um festival realizado em
1942 no Teatro José de Alencar, passou a ser distinguido com a fama de
"o pioneiro do rádio" e "O maioral". Jatahy, entretanto, já era visto
pelas oligarquias locais como um elemento de ideias perigosas e isso é
expresso pelo próprio João Dummar que buscava, sem sucesso, um
substituto que suplantasse o seu talento. Mas Jatahy tinha um sonho ao
qual vai se dedicar a partir do restante dos anos 40: a criação e
montagem de uma rádio. E ele vai realizá-lo na cidade de Campina
Grande, onde inaugura junto a outros companheiros tais como Hilton Mota
e Gil Gonçalves, a primeira rádio dessa cidade, a BFR-5 Rádio Cariri.
Lá permaneceu até a segunda metade dos anos 50 quando vende a rádio e
retorna a fortaleza.
Músico e dirigente proletário
Ao abordar o engajamento de Jatahy na luta classista, a professora
Bárbara afirma que: "À frente do sindicato dos músicos do Ceará, Jatahy
se insere no universo da organização sindical cearense conseguindo,
através da atividade artística criativa, se inserir no projeto de
constituição da Unidade Intersindical." E que "Jatahy compôs algumas
músicas voltando a sua atenção para a organização e para o universo de
experiência dos trabalhadores. A primeira delas é o Hino do Pacto
Sindical, cantada pela primeira vez nas comemorações do 1º de maio de
1962".
Enquanto mobilizava pela música os vários segmentos da sociedade,
Jatahy não descuidava de seu próprio campo profissional, como nos
mostra o artigo de Amaudson Ximenes Veras Mendonça publicado na página
na internet do Fórum Paulista Permanente de Música, com o título "Os
músicos e o Regime Militar de 1964", o qual se reporta à criação da
Ordem dos Músicos do Brasil por Juscelino Kubistchek, em 1960, por
inspiração do maestro paraibano José de Lima Siqueira e em seguida a
sua sucursal no Ceará: "Segundo o professor-maestro Orlando Leite, no
ano de 1962, Siqueira viria pessoalmente à Fortaleza para a criação do
Conselho Regional do Estado do Ceará. De acordo com o veterano músico
Otávio Santiago, o seu primeiro presidente foi o cantor José Jatahi,
autor de inúmeras composições,
bem como do hino do Ceará Sporting Clube. Entre os fundadores da OMB no
estado estavam Antonio Gondin, Edgar Nunes, Nadir Parente, Branca
Rangel, Esther Salgado entre outros".
Amaudson destaca ainda uma outra qualidade de Jatahy, a de grande
agitador, pois diferente de outros quadros do próprio PCB que se
acovardaram diante do Golpe de 1º de abril, foi para a praça conclamar
a massa a resistir: "Segundo o veterano músico Otávio Santiago, José
Jatahy (presidente do Conselho Regional dos Músicos do Ceará) em ato
público na Praça José de Alencar, fez um discurso inflamado contra o
novo regime, conclamando a categoria e os trabalhadores a se insurgirem
contra o Golpe de Estado.
O ato teria como consequência a sua prisão e
deposição do cargo.
A partir daquele momento, a OMB criada para o fortalecimento desse
segmento social, também mudaria a sua finalidade, passando a exercer
poder de polícia se constituindo como um dos sustentáculos da nova
política cultural implementada pelo regime militar."
A prisão não calou a voz de Jatahy. No quartel do 23º Batalhão de
Caçadores, para manter elevado o moral dos companheiros presos, ele
soltava sua possante voz, como nos conta Lucili Grangeiro Cortez,
professora do Curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do
Ceará – UECE em seu texto sobre "As repercussões do golpe civil-militar
no Ceará": "Enquanto no cárcere a ocupação do espaço reproduzia a
estrutura da sociedade cearense, as oposições e lutas pelo poder entre
os presidiários eram resolvidas através de batalhas musicais. José
Jatahy, representante sindical, era chamado ‘a alma do Pirambu’ (bairro
proletário) pela voz de barítono aocantar na hora do banho. Osvaldo
Evandro Carneiro Martins, professor, com voz de ‘tenor doméstico, de
estilo italiano’ era chamado o ‘rouxinol da Aldeota’" (bairro burguês).
Bárbara destaca ainda a coexistência entre o revolucionário e o lúdico
na obra de Jatahy, pois ao mesmo tempo em que ele "transmuta o programa
socialista de transformação social em músicas acessíveis, repletas de
paixão e que trazem em seu bojo o desejo pela mobilização social. Nesse
sentido, ele alia à sua criatividade artística a propaganda
ideológica". Por outro lado, ele "conseguiu penetrar em diversos tons
nas casas populares e nos festejos dos trabalhadores. Poderia
transcrever aqui a música que compôs gravada por Luiz Gonzaga: 'Desse
jeito não'.
Ou, então, citar o baião escrito de maneira humorada,
intitulado 'Meu Pé de Piqui' que associa a proliferação de crianças
numa casa em virtude das estações de um 'piquizeiro'. Ou, ainda, o amor
e a dor cantados na beleza das serestas em 'Falsa Felicidade' e 'Se te
vejo em Sonho'."
A repressão traça o perfil de Jatahy
Após o desfecho dos dias 31 de março e 01 de abril de 1964, a polícia
militar abriu inquérito para apurar e punir os "subversivos": os
militantes dos movimentos sindicais e populares. De caráter
investigativo, o IPM/1964 traçou o perfil das principais lideranças
cearenses, para o caso de confirmação de denúncia de atividades de
comunização nacional. Dentre esses perfis, encontramos o do músico José
Jatahy: 184º Relatório Periódico de Informações, período de 15 de
fevereiro a 11 de março, assinado pelo Cel. Tácito T. Oliveira em
11/03/1964. Documento do Ministério da Guerra/ IV Exército/ 10ª Região
Militar/ 23º Batalhão de Caçadores. Juntado no 1º volume, às folhas 232
e 234, do Inquérito Policial Militar de 1964.
JOSÉ JATAHY, brasileiro, casado, com 53 anos de idade, músico, filho de
Carlos Jatahy e Benvinda Costa Jatahy, natural de Fortaleza, onde
reside no Palace Hotel, quarto 212. Prestou depoimento às fls. 151.
Nota-se sua participação direta no movimento de comunização do Nordeste
(fls. 151, 153, 172). Introduziu o comunismo em seu sindicato, na
tentativa de mudança do nosso regime, fls.87, 152, 244, 323. Como
dirigente do Pacto Sindical, integrou a Frente de Mobilização Popular
(fls. 93, 153) trabalhando para a comunização da região, conforme
anexos 2A-24, 2A-36 e 2A-7. Já não mais músico brasileiro. Era músico
comunista. Empregava sua profissão, arte relevante em motivação
psicológica, no aliciamento comunista. Às fls. 54, vamos que, numa
organização brasileira, como é o Sindicato dos Ferroviários, não foi o
hino nacional brasileiro que ensaiou. Foi a Internacional Comunista.
Era este hino que José Jatahy contava reger na pretensa vitória do
comunismo em nossa terra. Daí o hino russo, a distância é muito
pequena. Apesar de músico, presidiu na qualidade de presidente do Pacto
Sindical a reunião subversiva realizada no sindicato dos ferroviários
(fls. 172). 120.
Ainda na sede desse sindicato, no dia 5 de março de 1964, fez pregação
subversiva, incitando a greves e movimento para derribada do poder
constituído. Às fls. 345, constata-se a ousadia deste denunciado,
chegando a ameaçar o Ministro da Educação de tomar medidas drásticas. É
preciso notar a desvinculação profissional de José Jatahy em todos
esses meios. O denunciado Jatahy é músico. Penetrava no meio
estudantil, no Sindicato dos Ferroviários e em outros centros
profissionais tão somente para estimular a baderna, para desmantelar a
disciplina e criar ambiente mais favorável à comunização, à mudanças
dos princípios constitucionais brasileiros.
Canção da Juventude
Em nossas mãos está a grande pátria de amanhã
O futuro do Brasil a juventude é guardiã
No trabalho e nas escolas
Há uma missão a cumprir
A miséria e a injustiça
Nós iremos do Brasil logo extinguir
Pelo campo e na cidade
Onde se possa atuar
Imporemos a igualdade para a injustiça terminar
Grande força, nós formamos do grande rincão nacional
E a todos convocamos
Para se unir ao nosso grande ideal (Refrão)
E aqueles que ainda estão a nossa pátria explorar
Que derramemos sangue, mas iremos expulsar
Nunca mais, oh!
Nunca mais
Terá vez o explorador
Grande força, juventude
Cada jovem será um libertador.
Canção da Juventude
Em nossas mãos está a grande pátria de amanhã
O futuro do Brasil a juventude é guardiã
No trabalho e nas escolas
Há uma missão a cumprir
A miséria e a injustiça
Nós iremos do Brasil logo extinguir
Pelo campo e na cidade
Onde se possa atuar
Imporemos a igualdade para a injustiça terminar
Grande força, nós formamos do grande rincão nacional
E a todos convocamos
Para se unir ao nosso grande ideal (Refrão)
E aqueles que ainda estão a nossa pátria explorar
Que derramemos sangue, mas iremos expulsar
Nunca mais, oh!
Nunca mais
Terá vez o explorador
Grande força, juventude
Cada jovem será um libertador.
Hino dos ferroviários
Decididos a vencer
Confiantes no poder
Da nossa grande unidade
Nosso sol vemos praiar
Luminoso a despontar
Como a nossa fraternidade
Quanta luta já passou
E na história já ficou
A grande força operária
Muitas outras hão de vir
Nós iremos repetir
A vitória ferroviária
Ferroviário [bis], tua força empolga a nação
Ferroviário [bis], muita paz leva-o no coração
Ferroviário [bis], com nossa voz vai ecoar
Ferroviário [bis], a injustiça iremos derrubar
Nossos bravos veteranos
Os algozes da nação
É a luta ferroviária
Sempre unidos lutaremos
Com toda classe operária
Quando a locomotiva
Grita forte sempre altiva
Com a nossa voz a clamar
Nosso grito independente
Neste país continente
Bem forte há de ecoar.
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