Por Heitor Cesar Oliveira
Imagine
um dia, talvez um sábado, ou mesmo uma segunda feira de carnaval. As
ruas do Rio vazias. Nenhum bloco; nenhum cordão; nenhum baile; nenhum
bêbado cantarolando alguma marchinha; nenhum casal brigando por ciúme;
nenhum beijo despretensioso. Imaginem um carnaval que os foliões
fizessem greve. Não fossem às ruas. Uma greve de carnaval.
As
ruas ficariam desertas. Mais desertas que um início de madrugada de
segunda feira. Os comerciantes, estes ficariam em pânicos: os donos dos
bares ficariam loucos pensando na “fortuna” por eles gasta para encher
seus estoques à espera de foliões e bêbados que não mais apareceriam. A
polícia - essa coitada! – perderia grande parte de sua renda extra de
extorsão dos foliões exagerados – presas fáceis desse tipo de
investimento. Mas o que causaria isso? O que causaria uma greve de
carnaval, unindo o folião, o bêbado, os comerciantes ambulantes, os
diretores de blocos, os compositores de marchinhas, os sambistas com
seus violões e pandeiros?
Esse
quadro me foi desenhado por um sujeito que se dizia viajante do tempo,
vindo de 2014, ano em que tal fato ocorrera. Eu o encontrara numa rua
próxima à Praça XV andando perdido em meio aos blocos com suas camisas
cheias de patrocínio e com suas letras que não diziam muito mais do que
um montante de vogais.
Ao
ser perguntado sobre tal fato, ele responderia direto, com uma certeza
nítida: — A velha e conhecida de todos nós, a ganância, a ânsia
enlouquecida por lucro, a mercantilização das relações humanas e seus
derivados.
O
carnaval havia se voltado para o turismo, para os de fora. Tudo
invertido na cidade, preparada para servir de vitrine para os gringos.
Nada
contra. Mas se eles são turistas, que aprendam a conviver com as coisas
como estão, e não as modifiquem para melhor atender seus desejos de
“caricatura de povo”, de "carnaval", de "mulatas", de "malandro
sambista". E a Ordem, essa velha inimiga do povo – essa amante de mentes
pequenas e positivistas, que tem medo do povo – impediu a brincadeira
de ocorrer fora de seus padrões de “choques", intimidando o povo,
acabando com os coretos e com a espontaneidade da brincadeira. Favorece –
isso sim! – os donos de comércio e bares, que se fecharam nos seus
salões com ar condicionado e com suas músicas ao vivo, com seus preços
exagerados que afastam o folião autêntico, o brincalhão, o fanfarrão, o
bêbado. Tudo fica perfeito para a “playboyzada” curtir com os cartões de
créditos patrocinados pelos pais, os mesmos pais que assumiram a
organização da festa, a nossa burra elite.
Foi
assim, diante desse quadro que se organizou – ou melhor, que se
desorganizou - a greve de sábado foi passando pelo domingo (recorde de
presença das missas), pela segunda e, quase terminando na terça feira,
foi entrando pela quarta. Logo quando todos achavam que a festa tinha
ido para o buraco, quando todos consideravam o fim do carnaval carioca; a
morte, tão decretada, do samba... Estourou a festa do povo!
Num
passe de mágica, as ruas foram tomadas não para buscar os bares com
seus donos falidos, mas para fazer a brincadeira de rua. Desfilar pela
Avenida Rio Branco, pela Presidente Vargas, correndo, brincando, com
bate-bola, mascarados, foliões, sambistas, diretores de blocos e claro,
nosso amigo de sempre, o bêbado, com seu vasto repertório de sátiras, de
marchinhas antigas e filosofias de botequim.
Foi
o ano em que nenhum dinheiro caiu nos cofres da elite. Foi o ano do
choque da desordem urbana, pois afinal quem quer manter essa ordem aí?
Eu não...
Assim,
meu amigo viajante do tempo entrou numa viela, dessas que tem um monte
na cidade, e sumiu gritando: — Viva o povo trabalhador, brincalhão,
alegre, folião e claro, combatente, valente e brigão, como deve mesmo
ser.
Heitor Cesar Oliveira é historiador, membro do CC do PCB
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