Segundo a grande mídia* muitos críticos de Pedro Bial ficam desconcertados por ele ser um homem que faz filmes “exigentes sobre figuras que pensam o Brasil (Guimarães Rosa e Mautner)” e, ao mesmo tempo, apresentador do BBB. Mas esse suposto e alegado desconcerto não será parte de uma operação midiática para alimentar o mito Bial e lhe conferir a aura controversa de uma personalidade complexa?
Afinal haverá o que legitime intelectualmente o mestre de cerimônia de um espetáculo onde 15 ou 16 pessoas, expondo-se ao ridículo em situações de gosto enormemente duvidoso, trocam sua intimidade por dinheiro e fama?
O filme que ele fez a partir de Guimarães Rosa, por exemplo, é um descalabro de monta (principalmente na abordagem mais que equivocada do conto Famigerado). Só conseguiu fazê-lo porque a família do escritor entrou em raro consenso na liberação de direitos daquela vez. Talvez, por se tratar de uma vedete global, tenham acreditado na possibilidade de lucros vultosos. Quanto aos chamados poemas desse repórter que se tornou showman, eles devem ter uma insignificante fração de risibilidade a menos do que os de José Sarney. Já em seu opus magno literário, sobre Roberto Marinho, ao biografado é conferido a caracterização de ser "revestido de aura sobre-humana" e ele chega a ser chamado até de "Deus". Ao longo do texto, desfilam ainda adjetivos como notável, sedutor, hipnótico, sábio etc. E, claro, o senhor Pedro Bial trata-o o livro todo como "doutor". E isso é tudo no que diz respeito ao lado "intelectualmente denso" do apresentador do BBB.
Num conto de Kafka chamado RELATÓRIO PARA UMA ACADEMIA, um macaco, que se transformou em humano, relata para uma platéia de acadêmicos e estudiosos como gradativamente abandonou sua condição animal e passou a imitar os homens. Ao macaco humanizado restavam duas possibilidades: ir para o zoológico ou para o circo de variedades. Optou pela segunda. Hoje isso me lembra o Big Brother, cujo nome foi tirado de uma obra literária de intensa crítica política (1984), o que bem demonstra a capacidade ilimitada, por parte da gigantesca indústria de entretenimento, de engolir qualquer signo cultural e transformá-lo em produto comercial.
Esse contexto, de certa forma, explica um pouco como Pedro Bial pode “transitar” tanto no campo da gravidade dialética como no cenário de futilidades televisivas. Na verdade seu verdadeiro habitat é só esse cenário telemidiático.
A possibilidade de associar Pedro Bial ao universo intelectual, portanto, se dá na mesma ordem com que o programa lastimável da TV por ele apresentado tem por nome um termo retirado de renomada obra literária do século XX.
*http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-estrada-de-mautner--entrevista-com-pedro-bial,991176,0.htm#bb-md-noticia-tabs-1
“Se existe algo que me irrita profundamente é o jeito sem cerimônias com que o mestre-de-cerimônia do Big Brother Brasil saúda aquela penca de jovens (...) confinados na casa montada pela TV Globo no Rio de Janeiro: "Boa noite, meus heróis!" (...) Reconheço, meio a contragosto, que todos os heróis são espelhos do mundo e da sociedade em que vivem. Os heróis do Bial espelham o mundo da futilidade, o hedonismo, o império dos sentidos humanos, a interação quase total entre os espaços público e privado. Meus heróis espelham o mundo dos ideais, dos valores humanos, do desprendimento e do amor à espécie humana. Os heróis de Bial lutam pelo prêmio financeiro e pelas conseqüências advindas de contratos pecuniários no mundo artístico. Meus heróis lutaram por aquilo em que acreditavam e sua recompensa era tão somente o sentimento de possuírem consciências tranqüilas, tanto que o mito do herói não foi por eles desfrutado: morreram em si para darem vida ao herói que neles subsistia.”
Washington Araujo
Gilson, vamos ter de assistir ao filme sobre Mautner. A escolha de Jorge Mautner vai na direção de seu texto. Quem mais avesso à badalação do que ele?
ResponderExcluirMesmo partindo do Bial, e ele sabe disso, o Mautner é uma figura que até filmado por um macaco ficaria interessante. Bial falou numa entrevista que a produção do documentário sobre Mautner tinha verba pequena. Só se for por mesquinhez. Bial, além de muito rico, conhece bem o universo da produção cinematográfica. O próximo será Arrigo Barnabé.
Por outro lado será bom para os admiradores de Big Brother conhecer alguém como Mautner. Quem sabe Maracatu Atômico toque nas rádios e seja tema de novela?
Zé, tão avesso à badalação e aparecendo no Big Brother. Ele ainda por cima disse: "Acho que aquilo [BBB] é o velho sonho da Grécia e da própria vida humana se tornar uma obra de arte, dando oportunidade a mais democrática e comunista das aparições na televisão. Ela abre campo para todos os talentos. Instiga, ensina, é cívico" Então tá: tudo em TV é obra de arte; é por demais democrático o espaço destinado apenas a concorrentes encaixados em determinados padrões; comunista até também.
ExcluirQuando falamos de Mautner não estamos falando na verdade da obra de Mautner? E quando falamos da obra de Mautner estamos falando dos feitos de um jovem ou deste senhor decadente e já sem voz tentando reter sobre si um resto de luz da ribalta?
Muitos tentam defender esse ponto de vista "caetânico" a que o espertalhão do Bial se apega. Essa coisa relativista ("ou não") que faz parecer impreciso o lugar onde o cara está e supostamente legitima seu aparente trânsito do "pop" ao "cult". É cultura popular (entendendo como cultura popular não o que o povo produz mas o que se produz para o consumo das massas) ou é erudito? Sendo mais radicalmente "caetânico" ainda dizem que não importa a diferença, nem deve haver.A ideia é que figuras como Mautner romperam essas fronteiras..."ou não"; e dá-lhe relativismo aos modos do canalha do bustiê.
Mas vejamos o filme...
Setenta anos de muita piração. Maracatu Atômico é linda. Esse papo do Mautner foi muito cínico. Ele, no disco com o Caetano, que eu acho muito bom, diz que o mundo não é dos espertos, é dos mais espertos ainda. Parece estar dando uma de esperto, mas o mundo é dos mais e espertos ainda e ele só vai pegar uma boquinha.
ResponderExcluirO Mautner não era muito de badalação. Seus shows eram em lugares alternativos, pequenas produções (não tinha público pra mais).
Este relativismo caetânico é irritante, cria um vale tudo irresponsável, tipo: foda-se, deixa estar, não exijam coerência.
Mautner (não justifica) deve estar numa pitimba danada. Não precisava dessa besteira de comparar cinco minutos de fama com uma obra de arte da própria vida. Deve ser duro pagar o aluguel tocando violino músicas que ninguém ouve e livros que ninguém lê. Acho que Caetano gravou um disco com ele para ajudá-lo.
Vamos ver o filme.