Como muitos críticos têm
alertado, nos últimos anos a espetacularização e a lógica de mercado vêm
dando o tom do desfile das escolas de samba no rio. Salta aos olhos o
luxo dos carros alegóricos e das fantasias que desfilaram pela Sapucaí.
Longe das lentes da Rede Globo, no entanto, foliões do Rio tomaram as
ruas da cidade para mostrar que a diversão do carnaval pode ter tudo a
ver com as lutas do povo e com a construção de um mundo justo.
Liberdade
de expressão, união dos povos latino-americanos, homenagens a lutadores
do povo brasileiro e do mundo e a defesa dos direitos humanos foram
cantados e dançados por milhares de foliões. Estes foram alguns dos
temas abordados por blocos que na periferia, no centro e na zona sul
mostraram que a política também dá samba.
Amigos de 68
Comunicadores populares se divertem no bloco Fala Puto
Foto: Samuel Tosta/Sindipetro-RJ
|
No
início da tarde do dia 12, a rua Dias Ferreira, no Leblon, foi tomada
por placas que estampavam imagens de Che e Fidel, bandeira da Venezuela e
até um boneco do presidente Chávez. Foi dia do bloco Inimigos do
Império, que ocupou o coração da zona sul. O samba de 2013 cantou e
homenageou os presidentes Morales, da Bolívia; Cristina, da Argentina;
Correa, do Equador; Mujica, do Uruguai; e, por fi m, grita “Viva Chávez,
nosso bolivariano!”. Todas personalidades diariamente atacadas pelos
meios de comunicação comerciais. Além dos foliões, a festa reuniu
representantes da Casa da América Latina, Associação Cultural José
Martí-RJ, Comitê Estadual do Rio pela Libertação dos Cinco Cubanos,
Instituto João Goulart e outras. Para cobrir o evento esteve presente
uma equipe da Telesur, canal de TV multiestatal com sede na Venezuela.
O
bloco Inimigos do Império foi criado pelos Amigos de 68, grupo de
remanescentes da luta contra a ditadura civil-militar. Há cinco anos a
folia dos militantes é realizada em frente ao Bar Tio Sam, “território
inimigo” ocupado por quem deseja se contrapor à soberania ideológica dos
Estados Unidos. Cid Nelson, um dos fundadores do grupo, explica que a
ideia veio do entendimento de que a luta contra a hegemonia
estadunidense pode e deve ser feita em todos os meios, inclusive no
carnaval. “Somos um grupo de resistência. Nosso estatuto diz que o
propósito explícito desta intervenção cultural é denunciar,
ridicularizar e se contrapor ao Império do Norte, ao neoliberalismo e
todos seus defensores. Tudo isso de forma lúdica e prazerosa”, afirma.
Eliete
Ferrer, também fundadora do bloco, conta que o objetivo do grupo sempre
foi defender os povos oprimidos. “Já apoiamos a Palestina, hoje estamos
fortalecendo nosso continente. Chega de os EUA acharem que podem,
impunes, matar quem eles querem. Agora já até inventaram os drones
[aviões sem piloto para matar civis no Oriente Médio em uma suposta
‘guerra ao terror]”, explica a militante. “Estamos aqui para lutar
contra a opressão e para cantar a humanidade e a solidariedade entre os
povos”, ressalta Eliete.
Autor de vários livros e membro do Conselho do Brasil de Fato,
o jornalista Mario Augusto Jakobskind é um dos organizadores do bloco e
um dos compositores do samba deste ano. “Apoiar a República Bolivariana
da Venezuela e Chávez está na ordem do dia. Decidimos enfrentar o
Império por meio de uma manifestação popular, mostrando que a
politização e a alegria podem caminhar juntas.”, conclui.
Monopólio da mídia
O
direito à comunicação é bandeira do bloco Fala Puto, que há quatro anos
desfila na Cinelândia, no centro do Rio, e conta com a participação do
bloco Lira de Ouro, de Duque de Caxias. O bloco foi criado por
comunicadores populares com o objetivo abrir espaço no carnaval carioca
para a luta pela democratização da mídia. “Com diversão também é
possível tratar desse tema tão importante. Em quatro anos já falamos
sobre a Conferência Nacional de Comunicação, denunciamos o monopólio da
mídia, criticamos a imagem da mulher na TV, defendemos o marco
regulatório”, conta Edson Munhoz, do Sindicato dos Petroleiros do Rio,
entidade que patrocina o Fala Puto.
“O nome do
bloco é irônico, já que nossa ideia é criticar a realidade da mídia no
Brasil de maneira alegre, divertida. Esse puto tem várias
interpretações. Nós, que estamos insatisfeitos com a concentração dos
meios no país, temos que ficar putos, temos que reivindicar a garantia
do direito à comunicação”, diz a jornalista Gilka Resende.
O
também jornalista Arthur William, cantor do bloco e um dos
compositores, explica que o fato de o grupo sair há quatro anos sem
autorização da Prefeitura materializa a defesa do direito à comunicação e
à folia por meio da ocupação do espaço público para expressar ideias
contra-hegemônicas. “Blocos de rua como este são um contraponto ao
carnaval comercial realizado pela maioria das escolas de samba e por
alguns blocos patrocinados. Em nossa festa, cantamos a sociedade com a
qual sonhamos, ajudando a construí-la na prática”, afirma.
Bloco Comuna que pariu - Foto: Adriano Alves |
Homenagem à Niemeyer
Há
quatro anos estreava nas ruas da Cinelândia o bloco Comuna que pariu,
criado por militantes da União da Juventude Comunista (UJC), do PCB. Ele
ocorre neste local devido à história de resistência política e cultural
da área, além de ser onde está localizada a Ocupação Manoel Congo,
símbolo da luta pela moradia na cidade.
“A
cultura pode servir de arma na luta de classes. Somos todos fi lhos da
Comuna de Paris”, explica o professor de história Heitor Cesar Oliveira,
um dos fundadores do grupo. Ele conta que o Comuna surgiu da ideia de
que é possível usar elementos culturais para incentivar e ampliar a luta
social. “Criamos o bloco para unir a alegria do carnaval à mensagem
social. Já falamos sobre a Anistia, a campanha O petróleo tem que ser
nosso e ano passado denunciamos as remoções ocorridas no Rio por causa
da especulação imobiliária. Também fizemos, em 2010, uma homenagem ao
MST”, enumera.
Neste ano, no domingo, dia 10, a
rua ficou lotada para ouvir o samba em tributo a Niemeyer, falecido
recentemente. Victor Neves, um dos compositores do samba deste ano,
disse que a escolha do tema foi “quase natural”, devido ao falecimento
deste grande arquiteto. “Ele sempre assumiu publicamente sua posição de
comunista fervoroso. Foi presidente de honra de nosso partido. Além
disso, foi um dos maiores arquitetos do século 20”, explica.
Para
Neves, o Comuna ajuda a refletir sobre que carnaval de rua os
militantes querem e até que ponto aceitam a interferência do Estado que
aí está. “Acredito que seria bom ampliar a participação de outros grupos
de esquerda e movimentos sociais, que podem e devem se integrar à
organização do bloco”, convida.
Sheila Jacob,
do Rio de Janeiro (RJ)
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/12024
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