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segunda-feira, 4 de junho de 2012

Ode a Lênin - Pablo Neruda


A revolução tem 40 anos.
Tem a idade de uma jovem madura.
Tem a idade das mães bonitas.

Quando nasceu,
no mundo
se soube a notícia
de forma diferente.
- Que é isso? – perguntaram-se os bispos –
Moveu-se a terra,
Não podemos continuar vendendo céu.
Os governos da Europa,
da América ultrajada,
os ditadores turvos,
liam em silêncio
os alarmantes comunicados.
Por suaves, por profundas
escadas
subia um telegrama,
como sobre a febre
no termômetro:
já não havia dúvida,
o povo havia vencido,
o mundo se transformava.

I

Lênin, para cantar-te
devo dizer adeus às palavras;
devo escrever com árvores, com rodas,
com arados, com cereais.
És concreto como
os fatos e a terra.
Não existiu nunca
um homem mais terrestre
que V. Uliánov.
Há outros homens elevados
que como as igrejas costumam
conversar com as nuvens,
são altos homens solitários.

Lênin manteve um pacto com a terra.

Enxergou mais longe que ninguém.
Os homens,
os rios, as colinas,
as estepes,
eram um livro aberto
e ele lia,
lia mais longe que todos,
mais claro que ninguém.
Ele olhava profundamente
O povo, o homem,
olhava o homem como um poço,
o examinava como
se fosse um mineral desconhecido
que tivesse descoberto.
Era preciso tirar as águas do poço.
era preciso levar a luz dinâmica,
o tesouro secreto
dos povos,
para que tudo germinasse e nascesse,
para ser dignos do tempo e da terra.

II

Cuida de não confundi-lo com um frio engenheiro,
cuida de não confundi-lo com um místico ardente.
Sua inteligência ardeu sem ser cinzas jamais,
a morte não gelou ainda seu coração de fogo.

III

Gosto de ver Lênin pescando na transparência
do lago Razliv, e aquelas águas são
como um pequeno espelho perdido entre a relva
do vasto norte e frio prateado:
solidões aquelas, esquivas solidões,
plantas martirizadas pela noite e pela neve,
o ártico silvo do vento em sua cabana.
Gosto de vê-lo ali solitário escutando
o aguaceiro, o voo trêmulo
das rolinhas,
a intensa pulsação do bosque puro.
Lênin atento ao bosque e à vida,
escutando os passos do vento e da história
na solenidade da natureza.

IV

Alguns homens foram só estudo,
livro profundo, apaixonada ciência,
e outros homens tiveram
como virtude da alma o movimento.
Lênin teve das asas:
o movimento e a sabedoria.
Criou no pensamento,
decifrou os enigmas,
foi rompendo as máscaras
da verdade e do homem
e estava em toda parte,
estava em toda parte,
estava ao mesmo tempo em toda parte.

V

Assim, Lênin, tuas mãos trabalharam
e tua razão não conheceu descanso
até que em todo o horizonte
se divisou uma nova forma:
era uma estátua ensanguentada,
era vitoriosa com farrapos,
era uma menina bela como a luz,
cheia de cicatrizes, manchada pela fumaça.
Desde terras remotas os povos a viram:
era ela, não havia dúvida,
era a Revolução.
O velho coração do mundo latejou de outro jeito.

VI

Lênin, homem terrestre,
tua filha chegou ao céu.
Tua mão
movimenta agora
claras constelações.
A mesma mão
que assinou decretos
sobre pão e a terra
para o povo,
a mesma mão
se converteu em planeta:
o homem que fizeste me construiu uma estrela.

VII

Tudo mudou, mas
foi duro o tempo
e áspero os dias.
Durante quarenta anos uivaram
Os lobos junto às fronteiras:
quiseram derrubar a estátua vida,
quiseram calcinar seus olhos verdes,
por fome e fogo
e gás e morte
quiseram que morresse
tua filha, Lênin,
a vitória,
a extensa, firme, doce, forte e alta
União Soviética.

Não conseguiram.
Faltou o pão, o carvão,
faltou a vida,
do céu caiu a chuva, neve, sangue,
sobre as pobres casas incendiadas,
mas entre a fumaça
e a luz do fogo
os povoados mais remotos viram a estátua viva
defender-se e crescer crescer crescer
até que seu valente coração
se transformou em metal invulnerável.

VIII

Lênin, gratos lhe somos os distantes.
Desde então, desde tuas decisões,
desde seus passos rápidos e seus rápidos olhos
não estão sozinhos os povos
na luta pela alegria.
A imensa luz pátria dura,
a que suportou o assédio,
a guerra, a ameaça,
é torre inquebrantável.
Não podem mais mata-la.
E assim vivem os homens
outra vida,
e comem outro pão
com esperança,
porque no centro da terra existe
a filha de Lênin, clara e decisiva.

IX
Grato, Lênin,
pela energia e pelo ensinamento,
grato pela firmeza,
grato por Leningrado e as estepes,
grato pela batalha e pela paz,
grato pelo trigo infinito,
grato pelas escolas,
grato por teus pequenos
titânicos soldados,
grato por este ar que respiro em tua terra
que não se parece com nenhum outro ar:
o espaço é fragrante,
é eletricidade de enérgicas montanhas.

Grato, Lênin,
pelo ar, pelo pão, pela esperança.

Pablo Neruda, 1959, Navegações e Regressos

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