Desenho monumental feito por Carlos Latuff |
Para o comandante Che
Guevara
Nasci num continente
que olhava para o chão.
Pupilas perdidas na terra,
na relva, nas raízes,
nas pedras da humilhação.
Nasci num continente
que olhava para o chão.
Olhava e não via
seu rosto mutilado
no rosto de seu irmão.
Perguntava e não ouvia
seu canto entrecortado.
Numa surdez medonha
o velho chão só respondia:
vergonha.
Si señor, no señor...
Com o perdão da palavra
a palavra era culpada.
Um deus patrão com as mãos recém-lavadas
cortava o ar em cruz, o perdão era dado
ou o infeliz executado.
Gracias señor
pelo pão, pelo castigo
pela morte, pelo destino.
Nasci num continente
que olhava para o chão.
Mas um dia leu ali
entre ossos calcinados
o verbo de sangue seco
pelo povo derramado.
Leu nos olhos simples
nas águas dos regatos.
No suor vertido em braços
pelo povo explorado.
Leu ali o seu espanto
nas pedras reviradas
nas raízes descobertas
pelo povo rebelado.
Guardou, então, no seu caderno de terra
a gramática revelada
e uma semente em seu olho
que chamou dignidade.
O deus-patrão nos alerta:
“Não olhem nestes olhos
de serpente peçonheta,
é praga que se alastra
e destrói tua colheita”.
“Não olhem nestes olhos
que se rebela a harmonia,
é o fim da religião, da casa
e da família.”
Mas são olhos tão simples,
úmidos de dor e esperança.
São olhos tão brilhantes
como olhos de criança.
São os olhos de Martí,
são os olhos de Sandino,
são os olhos das montanhas
que nos mostram o caminho.
São os olhos de Camilo,
são os olhos de Havana,
é meu olho no teu rosto
que outro olho reclama.
O veneno me tomou
e já posso ler no chão,
onde antes era vergonha
leio agora revolução.
Já viram as fotos de Che morto?
Seus olhos permanecem abertos
olhando sereno o céu
do continente onde nasci.
Alturas depois de Che,
meu povo não teme vê-las,
meu continente hoje leva os olhos
até o brilho das estrelas.
Mauro Luis Iasi –
Meta Amor Fases
Nenhum comentário:
Postar um comentário