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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A PULSEIRA

_ Qual o seu problema? – pergunta a atendente do hospital.
_Bom, não sei ao certo, parece que quebrei os dedos, eu disse, indicando a mão direita com um ar apalermado.
_ Sente-se que a doutora logo irá examiná-lo.
Porra, agora fico aqui umas duas horas para passar por um exame que não durará dez minutos. Mas me sento. E espero.
O banco duro de plástico se molda a minha agonia. O lugar estava lotado de trapos humanos. A alegria ali era artigo raro.

Olho para frente, um cartaz. “Classificação de risco”. Fico ansioso para saber o meu. Cinco cores correspondem a cinco períodos de espera. Os mais graves primeiros, como na guerra. A guerra brasileira.
Vermelho, atendimento imediato. Um cara do meu lado espera sobre uma maca improvisada. Até onde posso ver, leva três balaços na perna. O que poderia ser mais imediato do que isso, três balaços na cabeça? Ele tem uma pulseira laranja no pulso. Consulto o cartaz. Dez minutos. Contando os vinte que cheguei, começo a desconfiar da minha cor.
Amarelo. Sessenta minutos. Olho em volta, estico o pescoço até onde posso. Nada. Nem uma pulseira amarela. Meu pessimismo aumenta.
Pulo a seguinte e passo para a última, a fim de estabelecer o teto máximo do meu possível risco. Azul. Duzentos e quarenta minutos. Ai meu Deus, que não seja uma lesão tão leve!
Verde. A cor da maioria. Por alto, noventa e nove vírgula alguma coisa, excetuando o rapaz que sangra pelos três orifícios rubro-negros. Todos verdes. Cento e vinte minutos oficiais. Quatro horas pela minha experiência de “cidadão”. Sou chamado. Entro. Sento-me em outra cadeira, agora fria, de metal. Tem cheiro de álcool. Tudo tem cheiro de álcool. Tiro a camisa, trocamos algumas palavras, ela anota alguma coisa. É jovem. Termina. Saio e volto a me sentar na cadeira dura de plástico. Espero.
Sou novamente chamado. É estranho ouvir meu nome tantas vezes no mesmo dia. Enfim, ganho minha pulseira. Passaram-se duas horas. Verde.
Passo mal, pergunto onde é o banheiro. O guarda patrimonial me acompanha. Penso em dizer alguma coisa sobre roubar o papel higiênico, mas tenho que vomitar. No banheiro, o cheiro do desinfetante é duas mil vezes mais forte do que no consultório.
Passo correndo de frente para o espelho. Paro. Não posso crer. Não é possível. Não me vejo, sou nada, transparente, apenas a pulseira verde permanece, resplandecente, cada vez mais verde, um risco contínuo, uma quimera.

Daniel Oliveira daniludens@yahoo.com.br
Belo Horizonte/MG
27 de Abril de 2009

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