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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Urânio empobrecido

Aquelas crianças
Antes de morrer
Sorriam

Brincavam
Com o lixo do império

Hallisson Nunes Gomes

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Frederico Garcia Lorca - E eu te beijava

E Eu te Beijava


E eu te beijava
sem me dar conta
de que não te dizia:
Oh lábios de cereja!

Que grande romântica
eras!
Bebias vinagre às escondidas
de tua avó.
Toda te enfeitaste como um
arbusto de primavera.
E eu estava enamorado
de outra. Vê que pena?
De outra que escrevia
um nome sobre a areia.

Federico García Lorca, in 'Poemas Esparsos'
Tradução de Oscar Mendes

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Cuba-Brasil: Tela de Alexandre Magno da Cunha Gomes

Último quadro da série de três obras do pintor Alexandre Magno da Cunha Gomes. Retrata a irmandade entre os povos do Brasil e de Cuba, além de trazer um perfil de Lênin, e a personificação da natureza pelo homem.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O girassol

O girassol na laje
da periferia.
Enfeita a árdua cena
prenhe de entulhos.
O pombo grisalho
ponteia com arrulhos.
Este ar cru,
sem vestígios de alegria.

A senhora ferida enxágua
A roupa ou a mágoa?

A parede nua com
Suas vergonhas à vista.
Revela ausência
de decência de vida.
Uma hortelã num
vaso improvisado.
Exala fé num
futuro entronizado.

O senhor artesão pinta
Com sangue ou com tinta?



Robson Ceron
Floripa/SC

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O corpo A cor

O corpo                  A cor

O orgânico             Desenhado
A arte                     A carne
O conteúdo            A forma
O paradigma          A estética
O tempo                 Em movimento
A luz                      A sombra
O sangue                A tinta
Um homem            Trabalhando
Hallisson Nunes Gomes

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A HORA É ESSA

A hora é essa

Temos lutado todo esse tempo
com os pés descalços,
Saboreando o sonho que se esboça,
Encravados na luta que é de classes;
Internacionais!

Sempre nos quiseram mortos,
e ainda assim nosso peito segue ofegante.
Daniel Oliveira

domingo, 5 de dezembro de 2010

O Quadro

O quadro (óleo, acrílico,
metal) não é cela.

Nem os pincéis (corpos,
cabelos, correntes)
são chaves.

E todo artista
(que sabe da liberdade)
pinta o tempo.

O quadro. (relógio)
Os pincéis. (ponteiros)
Hallisson Nunes Gomes

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O estrepe

Manter a estirpe intacta,
Nesta estepe árida,
Não estripar o que o tato
Já diz velho, já diz fato!

Tacto sentir uniforme,
Tez dócil do tempo?

Mantenho a duradoura
Mudança que assombra
O antigo sentido da
Vida e da morte:

Lutar é possível,
Conviver é possível,
O humano é possível,

Desde que a garra
Não desgarre a essência
Da vida, da morte e da lida.

Desde que se retire
O estrepe que estanca
Nossa marcha.


Robson Ceron
Santa Catarina/Brasil

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Tela: Um réquiem para o imperialismo, de AMCG

Pintura que retrata a destruição das torres gêmeas dos EUA por forças fundamentalistas islâmicas, que no que pesem nossas divergências, têm sofrido o pior que o império pode oferecer: morte e destruição da vida e dos valores dos povos. Mais uma obra do genial Alexandre Magno da Cunha Gomes. Na próxima postagem sobre pinturas, apresentaremos a última fotografia que temos de suas obras, e ficamos aguardando o envio de mais imagens, seja pelo próprio autor, seja por aqueles que possuem obras do Magaiver, como é carinhosamente conhecido em BH, sua cidade-natal. Fuerza en España, compañero!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Carta a Stalingrado

Carta a Stalingrado [*]

Carlos Drummond de Andrade


Stalingrado...
Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades!
O mundo não acabou, pois que entre as ruínas
outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,
e o hálito selvagem da liberdade
dilata os seus peitos, Stalingrado,
seus peitos que estalam e caem,
enquanto outros, vingadores, se elevam.

A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais.
Os telegramas de Moscou repetem Homero.
Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novo
que nós, na escuridão, ignorávamos.
Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída,
na paz de tuas ruas mortas mas não conformadas,
no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das bombas,
na tua fria vontade de resistir.

Saber que resistes.
Que enquanto dormimos, comemos e trabalhamos, resistes.
Que quando abrimos o jornal pela manhã teu nome (em ouro oculto) estará firme no alto da página.
Terá custado milhares de homens, tanques e aviões, mas valeu a pena.
Saber que vigias, Stalingrado,
sobre nossas cabeças, nossas prevenções e nossos confusos pensamentos distantes
dá um enorme alento à alma desesperada
e ao coração que duvida.

Stalingrado, miserável monte de escombros, entretanto resplandecente!
As belas cidades do mundo contemplam-te em pasmo e silêncio.
Débeis em face do teu pavoroso poder,
mesquinhas no seu esplendor de mármores salvos e rios não profanados,
as pobres e prudentes cidades, outrora gloriosas, entregues sem luta,
aprendem contigo o gesto de fogo.
Também elas podem esperar.

Stalingrado, quantas esperanças!
Que flores, que cristais e músicas o teu nome nos derrama!
Que felicidade brota de tuas casas!
De umas apenas resta a escada cheia de corpos;
de outras o cano de gás, a torneira, uma bacia de criança.
Não há mais livros para ler nem teatros funcionando nem trabalho nas fábricas,
todos morreram, estropiaram-se, os últimos defendem pedaços negros de parede,
mas a vida em ti é prodigiosa e pulula como insetos ao sol,
ó minha louca Stalingrado!

A tamanha distância procuro, indago, cheiro destroços sangrentos,
apalpo as formas desmanteladas de teu corpo,
caminho solitariamente em tuas ruas onde há mãos soltas e relógios partidos,
sinto-te como uma criatura humana, e que és tu, Stalingrado, senão isto?
Uma criatura que não quer morrer e combate,
contra o céu, a água, o metal, a criatura combate,
contra milhões de braços e engenhos mecânicos a criatura combate,
contra o frio, a fome, a noite, contra a morte a criatura combate,
e vence.

As cidades podem vencer, Stalingrado!
Penso na vitória das cidades, que por enquanto é apenas uma fumaça subindo do Volga.
Penso no colar de cidades, que se amarão e se defenderão contra tudo.
Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres,
a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.

[*] Extraído do livro A Rosa do Povo (poemas escritos entre 1943 e 1945). Rio de Janeiro: Record, 1987

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Tela de Alexandre Magno da Cunha Gomes

Pintor comunista radicado na Espanha, Alexandre Magno (Magaiver) produziu este obra em 2001 sobre poesia de Daniel Oliveira, intitulada, assim como o quadro, de "Pau-ôco".

terça-feira, 23 de novembro de 2010

O Vosso Tanque General, É Um Carro Forte


Derruba uma floresta esmaga cem
Homens,
Mas tem um defeito
- Precisa de um motorista

O vosso bombardeiro, general
É poderoso:
Voa mais depressa que a tempestade
E transporta mais carga que um elefante
Mas tem um defeito
- Precisa de um piloto.

O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito
- Sabe pensar

...

Bertolt Brecht

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Mesma cena







Mas que tipo de nação
Onde chuva é benção e maldição
Veja o companheiro a situação
O tesouro que cai do céu,
que faz a terra fecundar,
brota terra e caixão.
Traz esperança e mal-querência
como diz a primeira-velha de lá:
"Fugimos da seca pra otra vida lidar,
e a chuva orgulhosa nos perseguiu a enterrar."

Mas se a chuva mata, é porque quem pode evitar
retrai sua mão plena de moedas a praguejar:
"Que votem! Deixem votar! A natureza é sabia.
Não façam nada, que depois de eleito, talvez,
coroas de flores molhadas hão de ganhar."

Mas que tipo de nação
Onde chuva é benção e maldição
Veja o companheiro a situação



Daniel Oliveira
Minas Gerais/2010

domingo, 21 de novembro de 2010

Velho Graça


"Fizeram alto. E Fabiano depôs no chão parte da carga, olhou o céu, as mãos em pala na testa. Arrastara-se até ali na incerteza de que aquilo fosse realmente mudança. Retardara-se e repreendera os meninos, que se adiantavam, aconselhara-os a poupar forças. A verdade é que não queria afastar-se da fazenda. A viagem parecia-lhe sem jeito, nem acreditava nela. Preparara-a lentamente, adiara-a, tornara a prepará-la, e só se resolvera a partir quando estava definitivamente perdido. Podia continuar a viver num cemitério? Nada o prendia àquela terra dura, acharia um lugar menos seco para enterrar-se. Era o que Fabiano dizia, pensando em coisas alheias: o chiqueiro e o curral, que precisavam conserto, o cavalo de fábrica, bom companheiro, a égua alazã, as catingueiras, as panelas de losna, as pedras da cozinha, a cama de varas. E os pés dele esmoreciam, as alpercatas calavam-se na escuridão. Seria necessário largar tudo? As alpercatas chiavam de novo no caminho coberto de seixos." (Vidas secas, Graciliano Ramos)

sábado, 20 de novembro de 2010

SOU NEGRO

SOU NEGRO

A Dione Silva

Sou Negro
meus avós foram queimados
pelo sol da África
minh'alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs
Contaram-me que meus avós
vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço plantaram cana pro senhor do engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu.

Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi
Era valente como quê
Na capoeira ou na faca
escreveu não leu
o pau comeu
Não foi um pai João
humilde e manso

Mesmo vovó não foi de brincadeira
Na guerra dos Malês
ela se destacou

Na minh'alma ficou
o samba
o batuque
o bamboleio
e o desejo de libertação...
 

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Hoje me falaram em virtude


Hoje me falaram em virtude
Tudo muito rito, muito rígido
Com coisinhas assim mais ou menos
Sentimentais.

Tranças faziam balanças
Nas grandes trepadeiras
Estávamos todos por conta de.

Nascinaturos espalhavam moedinhas
Evidentemente estavam bricando
Pois evidentemente, nos tempos atuais
Quem espalha moedas
Ou é louco, ou é porque
está brincando mesmo.
O que irritou foi o porque.



Pagu/Patricia Rehder Galvão


Do livro: "Pagu - Patrícia Galvão - Vida-Obra", Editora Brasiliense, 1982, SP

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O Demo!

- Deus me livre do Demo!

Disse exaltada, a senhora respeitada

da alta sociedade burguesa,

crente na beatitude de sua

conduta diária.



Ignorava a origem

Radical

do significado

Povo?



Robson Ceron

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A tus cien años y a nuestros años cien

Ahora el tiempo se anuncia
lo importante es banal
los hombres y la basura
quien come a quien
palabras fuera de moda
la miseria en el informativo
todos quieren circo
anestesia sin pan
los hombres no dicen basta
llegamos a ningún lugar
la masa, el fermento, la lágrima
todo lo que es torpe y se llama madre
todo lo que es sin nombre
todo lo que no vale la hoja
un papel bordado y dos cigarros en la mano
un siglo que se cierra sin decir adiós


Daniel Oliveira

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Educación para la piedra

Educación para la piedra

Por más que yo pregunte
que intente entender
la naturaleza de piedra
que existe en mi ser

Por más que yo llore
que intente quebrar
con lágrimas sinceras
ésta mi cárcel y casa

Por más que yo luche
grite o suicide
se que solo
de los grilletes
no voy a soltarme
Preciso de alguien
tal como ave
que dentro del huevo
ya sabe
que su destino es volar

Preciso del amor
de otro corazón
que junto al mío
podrá desvendar
la naturaleza de piedra
y de ella liberarme


Hallisson Nunes Gomes
Tradução: Lurdes Gomez

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

GULLAR XXI

GULLAR XXI
Dedicado à Thiago de Mello

Ainda hoje me lembro
com boa memória,
como se o tempo tivesse parado
e me congelado no instante em
                                      que te vi;
_Coisa fantástica é essa!
Sorri, gargalhei, entrei em pranto.
Contigo aprendi que dois e dois
nem sempre são quatro,
pelejei junto à ti contra o Tio Sam
em plena maçã, contemplei belezas
mais lindas do que uma deslumbrante
bolinha prateada de um maço qualquer,
atirado ao sol por homem ou fêmea fumante,
mais lindas até do que uma plataforma
da Petrobrás em alto mar iluminada.
Vi também uma revolução que nascia
nos seus versos barbados e honestos.
Pude comprovar a importância crucial
de um vassoureiro e um barbeiro
para o desenvolvimento da história nacional.

Vi tanta coisa.
Agora não vejo nada.

O Gullar XXI estrangulou com mãos frias o Gullar XX.
Trancou os restos em um cofre bem fundo,
que é para que o morto não gritasse,
como gritou a alma radiante de Herzog ao ser suicidado.

Você se matou, Gullar,
e pôs outro em seu lugar.

Seu discurso se perdeu.
E o que é um poeta sem discurso, Gullar?
Um poeta sem bandeira?
Sem sonhos?
Paixão?

O que é você, Gullar XXI?
(Me indago, porém de antemão
trago em mim a resposta)

Você acreditou demais nos homens,
E você duvidou demais dos homens
(certas coisas são válidas apenas em poesia)
E se esqueceu de acreditar em si
no seu compromisso consigo
na relação com o outro que nasce da vida,
seja ela como for, e você se isolou, Gullar XXI.

Em sua torre de vidro,
fez ninho fortificado.

No entanto, a história não para, Gullar.
A história é dinâmica e dialética,
por mais que lhe doa saber,
morrerá, e todo seu conhecimento,
sua alta intelectualidade, morrerá,
e seu cadáver pálido não brilhará, Gullar
(Porque morrestes há tempos)

Quando mais precisávamos de você; morreu.
Gostaria de ser mais claro - balanço:
Você parte sem dizer adeus, e em volta do seu
caixão, a mais fina nata da aristocracia nacional.

Morre, Gullar, morre.
Não é a saudade que fica, é a obra-primeira,
e essa permanece ancestral, latente, viva.

Se dela nascer uma flor que seja,
Mostrará que finalmente o Gullar XX
descobriu a senha para se libertar do cofre.

Daniel Oliveira
Sabará/MG
10/11/2010

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Armas Químicas & Poemas

Armas Químicas & Poemas
Engenheiros do Hawaii
Composição: Humberto Gessinger

Eu me lembro muito bem, como se fosse amanhã
O sol nascendo sem saber o que iria iluminar
Eu abri meu coração como se fosse um motor
E na hora de voltar sobravam peças pelo chão
Mesmo assim eu fui à luta... eu quis pagar pra ver

Aonde leva essa loucura
Qual é a lógica do sistema
Onde estavam as armas químicas
O que diziam os poemas

Afinal de contas
O que nos trouxe até aqui, medo ou coragem?
Talvez nenhum dos dois
Sopra o vento da paz pela praça
E já foi... já foi
Por acaso eu fui à luta... eu quis pagar pra ver

Aonde leva essa loucura
Qual é a lógica do sistema
Onde estavam as armas químicas

O que diziam os poemas

O tempo nos faz esquecer o que nos trouxe até aqui
Mas eu lembro muito bem como se fosse amanhã

Quem prometeu descanso em paz
Pra depois dos comerciais?
E quem ficou pedindo mais
Armas químicas e poemas?

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Sêmen

Sêmen
Mestre Ambrósio
Composição: Siba e Bráulio Tavares

Nos antigos rincões da mata virgem
Foi um sêmen plantado com meu nome
A raiz de tão dura ninguém come
Porque nela plantei a minha origem
Quem tentar chegar perto tem vertigem
Ensinar o caminho, eu não sei
Das mil vezes que por lá eu passei
Nunca pude guardar o seu desenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?

Esse longo caminho que eu traço
Muda contantemente de feição
E eu não posso saber que direção
Tem o rumo que firmo no espaço
Tem momentos que sinto que desfaço
O castelo que eu mesmo levantei
O importante é que nunca esquecerei
Que encontrar o caminho é meu empenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?

Como posso saber a minha idade
Se meu tempo passado eu não conheço
Como posso me ver desde o começo
Se a lembrança não tem capacidade
Se não olho pra trás com claridade
Um futuro obscuro aguardarei
Mas aquela semente que sonhei
É a chave do tesouro que eu tenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?

Tantos povos se cruzam nessa terra
Que o mais puro padrão é o mestiço
Deixe o mundo rodar que dá é nisso
A roleta dos genes nunca erra
Nasce tanto galego em pé-de-serra
E por isso eu jamais estranharei
Sertanejo com olhos de nissei
Cantador com suingue caribenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?

Como posso pensar ser brasileiro
Enxergar minha própria diferença
Se olhando ao redor vejo a imensa
Semelhança ligando o mundo inteiro
Como posso saber quem vem primeiro
Se o começo eu jamais alcançarei
Tantos povos no mundo e eu não sei
Qual a força que move o meu engenho
Como posso saber de onde venho
Se a semente profunda eu não toquei?

E eu
Não sei o que fazer
Nesta situação
Meu pé...
Meu pé não pisa o chão.

sábado, 6 de novembro de 2010

Poesia-Consumo (ou Dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola e pickles em um pão com gergelim)

Tenha vontade, compre, não importa
se não precisa.

Compre, compre.

É belo, é novo, é moda.
Use e abuse mas, depois jogue fora.
Carro do ano, utilitários,
a maior novidade de todos
os tempos da última semana.

Compre, compre.

Embalagem descartável,
produto descartável,
amizade descartável,
Vida descartável.

Poesia descartável para ser consumida na
fila do cinema (ante-sala da pizza).
Culinária descartável, enlatado
americano para ser consumido à espera
do sexo mercantilizado. Sexo descartável
consumido à espera do amor. Amor mercantil.
Amor para ser consumido à espera da vida.

Vida comprada e vendida em drive thrus.

Basta! Olhai os lírios do campo.


Daniel Santos Braga

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Ai daqueles

Ai daqueles
Que se amaram sem nenhuma briga
Aqueles que deixaram
Que a mágoa nova
Virasse a chaga antiga
Ai daqueles que se amaram
Sem saber que amar é pão feito em casa
E que a pedra só não voa
Porque não quer
Não porque não tem asa.

Paulo Leminski

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

MENTES BLANCAS

Blanco
Blanco
En el fondo del blanco
del muro
en el fondo
sin fondo
Prisión?
Soledad?
Prisión?
Paz más no la de ellos
Blancas son las nubes
La nieve
La leche
La espuma en el mar
El canto de la boca
Los dueños de la coca-cola
El culo en la T.V.
El canto del ojo
Blancos los dientes del capital
La hipotermia
La plusvalía
El adormecimiento
El sueño es blanco?
La raza es blanca?
El blanco es una raza?
Su nombre es una raza?
El blanco de la tiza no siempre es blanco
La luz no siempre es blanca
Blanca la casa blanca
En los EEUU los negros aun no consiguieron
la emancipación
Las clases tienen color?
Las luchas tienen color?
Las cuotas para negros son blancas
Bush es blanco
Colin Powel es blanca
Condollezza Rice es blanca
En la marcha hacia el nazismo
las mentes son blancas

Hallisson Nunes Gomes

domingo, 24 de outubro de 2010

Algo pulsa em mim


Algo pulsa em mim
Mas é diferente do dia a dia
Pulsante sempre fui enfim
É algo que me dá muita alegria

Algo incomoda minhas entranhas
Faz-me sentir dor, me dá prazer, faço manhas
Algo insiste em mostrar que é um ser
O meu corpo já não agüenta esconder

Parece que não sou eu mais que vivo
Mas vivo para que este ser tenha sentido
Algo cresce dentro de mim
Alegrando a minha vida sem fim

Algo transborda os meus poros
Percorre todo o meu ser
Envolve –me em olhares sonoros
Mostra-me o que eu nem sonhava em querer

Algo me leva a chorar, a imaginar
Dores, flores, já não sei
Parece que agora sei o que é amar
Sinto que na minha vida alguém já mostrou que é rei

Sinto algo acariciar a minha face
Penso que é Maria mãe de Jesus
Dizendo –me, que jamais haverá desenlace
Meus olhos não marejam lágrimas e sim luz

Te amo Bebê!

Gislane Oliveira

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Meu fôlego é uma flauta

Meu fôlego é uma flauta
                Que se esvai

As vezes em mi
As vezes sem dó

Daniel Oliveira
Belo Horizonte

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A PULSEIRA

_ Qual o seu problema? – pergunta a atendente do hospital.
_Bom, não sei ao certo, parece que quebrei os dedos, eu disse, indicando a mão direita com um ar apalermado.
_ Sente-se que a doutora logo irá examiná-lo.
Porra, agora fico aqui umas duas horas para passar por um exame que não durará dez minutos. Mas me sento. E espero.
O banco duro de plástico se molda a minha agonia. O lugar estava lotado de trapos humanos. A alegria ali era artigo raro.

Olho para frente, um cartaz. “Classificação de risco”. Fico ansioso para saber o meu. Cinco cores correspondem a cinco períodos de espera. Os mais graves primeiros, como na guerra. A guerra brasileira.
Vermelho, atendimento imediato. Um cara do meu lado espera sobre uma maca improvisada. Até onde posso ver, leva três balaços na perna. O que poderia ser mais imediato do que isso, três balaços na cabeça? Ele tem uma pulseira laranja no pulso. Consulto o cartaz. Dez minutos. Contando os vinte que cheguei, começo a desconfiar da minha cor.
Amarelo. Sessenta minutos. Olho em volta, estico o pescoço até onde posso. Nada. Nem uma pulseira amarela. Meu pessimismo aumenta.
Pulo a seguinte e passo para a última, a fim de estabelecer o teto máximo do meu possível risco. Azul. Duzentos e quarenta minutos. Ai meu Deus, que não seja uma lesão tão leve!
Verde. A cor da maioria. Por alto, noventa e nove vírgula alguma coisa, excetuando o rapaz que sangra pelos três orifícios rubro-negros. Todos verdes. Cento e vinte minutos oficiais. Quatro horas pela minha experiência de “cidadão”. Sou chamado. Entro. Sento-me em outra cadeira, agora fria, de metal. Tem cheiro de álcool. Tudo tem cheiro de álcool. Tiro a camisa, trocamos algumas palavras, ela anota alguma coisa. É jovem. Termina. Saio e volto a me sentar na cadeira dura de plástico. Espero.
Sou novamente chamado. É estranho ouvir meu nome tantas vezes no mesmo dia. Enfim, ganho minha pulseira. Passaram-se duas horas. Verde.
Passo mal, pergunto onde é o banheiro. O guarda patrimonial me acompanha. Penso em dizer alguma coisa sobre roubar o papel higiênico, mas tenho que vomitar. No banheiro, o cheiro do desinfetante é duas mil vezes mais forte do que no consultório.
Passo correndo de frente para o espelho. Paro. Não posso crer. Não é possível. Não me vejo, sou nada, transparente, apenas a pulseira verde permanece, resplandecente, cada vez mais verde, um risco contínuo, uma quimera.

Daniel Oliveira daniludens@yahoo.com.br
Belo Horizonte/MG
27 de Abril de 2009

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

ENTREVISTA COM UMA MÃE QUE ESPERA

Não, não senhor.
Ele nunca me deu trabalho.
Nunca precisei gritar, mandar.
Bater eu nunca bati.

Subversivo? Sei não.
Ah, ele era muito prestativo.
Tava sempre em mutirão,
ensinando os menino a lê,
a escreve. Era muito amoroso.

Comunista? Sei não, senhor.
Se comunista era ter um coração
como o dele, então deve de ser
coisa boa.

Todo domingo. Fazia novena.
Política? Não me alembro.
Era novinho, só rezava a missa.
O outro padre? Morreu de velho.

Sim senhor, é muito tempo.
Não senhor. Pra mim não.
Seu rosto, sua voz. Foi ontem.

Tenho 92. Sim, senhor.
Viúva. Sozinha.
Os irmãos seguiram a vida.
Não, nunca me mudei.

Por quê? Porque tantos
apareceram depois.
Em 79 então, que esperança.
Nessa época juntei dinheiro.
Pra fazer uma festa pra ele.

Não senhor. Nem carta nem nada.
Umas visitas dos amigos.
Companheiros dele.
Diziam que não adiantava
eu sofrer esperando.

Mas eu espero.
Ele saiu com a chave.
Não, a fechadura é a mesma.
O telefone a empresa mudou,
apesar dos meus pedidos.

E não, senhor? Quantas vezes...
Mas não posso. Não sem abraçá-lo
uma última vez...

Bom, se é assim, então eu
o encontrarei lá.
Tortura? Penso não.
Já pensei. Dói demais.

Os irmãos queriam, eu não.
Olha, senhor, nem que fosse
pelo menos osso, que eu pudesse
enterrar, botar nome, trocar flor,
olhar pra ele...

Não senhor, com o filho de ninguém.
Porque a dor de enterrar não se
compara a dor de esperar.

Obrigada ao senhor.
E se alguém der notícia do meu menino,
Cristo colocará coroa e manto
no seu caminho.



Daniel Oliveira

NOSSO TEMPO

NOSSO TEMPO
à Carlos Drummond de Andrade



É tempo de apagão
Circo sem pão
Tempo sem tempo
Sem espaço
Em mídia pífia
Aparelho burguês
É tempo de Nasdaq
Tempo monetário
Tempo vulnerável
Tempo de capitais fictícios
Em sinais de computador
É tempo de ajuste
E Estado mínimo
Tempo do fundo
Tempo do fosso
Tempo de físsil
É tempo de exílio
E mundo em blocos
Caricatos, caridosos
E “terceira via”
É tempo de Organização Mundial do Comércio
Acordo multilateral de investimentos
E flexibilização da CLT
É tempo de fantasia
Informação acessória,
Informação subliminar
Igrejas eletrônicas
É tempo de homens mistificados
‘’Sujeitos racionais”
E“Preferências individuais”
É tempo de engodo
A greve é imoral
Ocupar é imoral
A crise não é “moral”
Alegrem-se
Vendem-se sonhos
É tempo de consumir
Coca-Cola, Ford ,Nike, Monsanto, Esso,
Bayer, Time Worner, City Bank, Union Carbide,
Microsoft, Mac Donalds, Lockheed,
E CIA, e CIA e S.A. e LTDA etc, etc, etc
Vendem mísseis
É tempo de prisão
O tempo é privado
A política também
É tempo de rapina
De Congresso comédia
Presidente bufão
É tempo de abutre
Travestido de tucano
Ovelhas tinhosas
Clonadas
E Aedes-aegypti
É tempo de genoma
Biotecnologia e AIDS
É tempo de morrer
E morre-se de tédio
Tuberculose e cólera
Morre-se no morro
Na Faixa de Gaza
No Pará
E em Bogotá
Morre-se por ser FARC-EP
Morre-se por ser MST
Morre-se por ser Palestino
Morre-se pela polícia
Na favela braço único do Estado
Morre-se de fome
Morre-se de guerra
Da ganância dos donos da guerra
E de seus lucros
Morre-se de omissão
Morre-se de medo
E urânio empobrecido
Morre-se por ser criança
Como nunca voltarão os primeiros dias de vida
É tempo de pânico
Tempo de ódio
E terrorismo de estado
É tempo de cancelas
Tempo de veto
E fundamentalismo capital
É Tempo de império
Tempo de mito
Polarização
E globalização da miséria
É tempo de acirramento
Como nunca antes na História
É tempo de lutas de classe.



Hallisson Nunes Gomes