Páginas

terça-feira, 3 de maio de 2011

A difusão da ideologia política nos cartazes da Revolução Constitucionalista de 19321 - Por Nana Krishna Andrade e Dênio Augusto Vieira Sarôa Ribeiro

A Revolução Constitucionalista de 1932 compõe um dos importantes acontecimentos históricos do Brasil republicano. Iniciada no dia 9 de julho do mesmo ano, em São Paulo, num quadro de instabilidade política, teve como principal razão as divergências entre o Partido Republicano Paulista, composto pelas oligarquias cafeeiras e o governo de Getulio Vargas durante a Revolução de 1930.
Os paulistas desejavam o retorno da constituição, e o controle administrativo do estado, que Vargas havia passado para as mãos de um “tenente” aliado. Diante da falta de autonomia política o único caminho encontrado pelos paulistas foi do conflito armado. Nesse processo, a ideologia da propaganda política veiculada em vários meios da imprensa, como os cartazes, foi fundamental para a adesão popular na Revolução Constitucionalista. Esse artigo pretende, portanto, apresentar exemplos dessas imagens que contribuíram, de forma incisiva, para que a população civil participasse desse processo político nos quadros da Era Vargas.

Os antecedentes da Revolução Constitucionalista de 1932: a crise da República Velha e os conturbados anos 1920

O período compreendido entre o final da década de 1920 e os primeiros anos da década de 1930 é marcado pela transição da República Velha (1889 - 1930) ao Governo Provisório de Getúlio Vargas (1930 - 1934). Cabe ressaltar que a República Velha caracterizou-se pelo predomínio dos grupos agrários, sob a hegemonia dos cafeicultores paulistas e mineiros que, segundo Viscardi citada por Resende (2003, p. 118 - 119), alternavam no poder através de uma aliança estável denominada “política do café com leite”. A República Velha também é marcada por um regime político coerente com os anseios das oligarquias estaduais amparado pela política dos governadores. Essa, por sua vez, visava estabelecer relações de compromisso entre o executivo federal e os executivos estaduais possibilitando assim, a formação de um legislativo coeso no plano federal para que o governo conseguisse dar sustentação às suas políticas.
Nos últimos anos da década de 1920, o Brasil vivenciou uma séria crise socioeconômica e política, uma vez que o sistema oligárquico pautado na política do café com leite e na política dos governadores começou a desagradar alguns setores da sociedade juntamente com as denominadas oligarquias de segunda grandeza. As autoras Marieta Ferreira e Surama Pinto (2003, p. 394) denominam como estados de segunda grandeza as federações do Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul. Esses estados articularam um movimento que ficaria conhecido como Reação Republicana, que não tinha como proposta acabar com o modelo oligárquico em vigor, mas ampliar a participação de outras oligarquias no poder.
Nesse contexto, convém salientar a influência das atividades do movimento tenentista na década de 1920 e a sua ligação com a crise da República Velha. Esse grupo pretendia implementar no país um poder centralizado com o objetivo de construir a nação a partir da reconstrução do Estado através da redução do poder das oligarquias. Segundo Fausto (2004, p. 314) os tenentistas entendiam que o grande mal das oligarquias residia no fato de o Brasil estar fragmentado em “vinte feudos” cujos senhores eram escolhidos pela política dominante. Não acreditavam que o liberalismo fosse o caminho certo a ser seguido para reconstruir o país, além de acreditarem no autoritarismo como fator relevante para a reforma do Estado e da sociedade.
A partir das crises socioeconômicas e políticas dos anos 1920 e da movimentação dos tenentes observadas no mesmo período, podemos entender a crise da República Velha e o seu desfecho com a Revolução de 1930.

A Revolução de 1930

No ano de 1929 podem ser destacadas importantes transformações que resultariam na Revolução de 1930, liderada pela coalização formadora da Aliança Liberal (AL) sob o comando de Getúlio Vargas. O governo do então presidente Washington Luís era caracterizado por certa estabilidade política, pois segundo Ferreira e Pinto (2003, p. 403), “os confrontos que marcaram os primeiros anos da década de 1920 pareciam estar contornados”. Entretanto, no mesmo ano, ocorre em Nova Iorque a quebra da bolsa de valores tendo impacto direto e negativo sobre a economia brasileira e, principalmente, sobre a oligarquia paulista. Ainda no ano de 1929 têm-se a fissura no acordo tácito entre São Paulo e Minas Gerais no tocante a alternância da presidência da República.
A indicação de Júlio Prestes, conterrâneo de Washington Luís, a presidência, corroborou no desentendimento entre as oligarquias paulista e mineira. Com isso, em julho de 1929, gaúchos e mineiros se unem e lançam a candidatura de Getúlio Vargas a presidência e de João Pessoa, então governador da Paraíba, a vice-presidência. Diante disso, há a formação da Aliança Liberal tendo por base de sustentação os estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. Seu programa era alcançar o apoio popular da classe média e, conseqüentemente, quebrar o poder da oligarquia cafeeira paulista.
Porém, as eleições realizadas em março de 1930 deram a vitória a Júlio Prestes deixando setores da Aliança Liberal inconformados. Com a derrota, a AL buscou aproximar-se das lideranças do movimento tenentista como Juarez Távora, Miguel Costa, Siqueira, Campos e Cordeiro de Farias. Porém, em 26 de julho de 1930, o candidato a vice pela Aliança Liberal, João Pessoa foi assassinado em Recife. Tal acontecimento serviu de pretexto para o início de um movimento revolucionário no dia 3 de outubro de 1930 e, em novembro do mesmo ano, Vargas assume o poder através do Governo Provisório.
Logo após assumir a presidência, Getúlio Vargas adota uma postura arbitrária e inconstitucional ao fechar o Congresso e as assembléias estaduais e municipais, depõe os governadores dos estados e revoga a constituição de 1891. As medidas arbitrárias pelo então presidente, foram diretamente de encontro aos interesses da oligarquia paulista. Para se manter no poder, Vargas pretendeu estender a sua ditadura com base na nova constituição e contava, para isso, com o apoio dos modelos militares dos quadros tenentistas na luta contra as oligarquias estaduais. Novamente, as elites paulistas foram contrariadas e, em 1932, estourou a guerra civil conhecida como a Revolução Constitucionalista.

A Revolução Constitucionalista de 1932

O movimento revolucionário iniciado em São Paulo no dia 9 de julho de de1932 está relacionado à insatisfação das oligarquias paulistas para com o desfecho da Revolução de 1930. Os rumos da política nacional caminhavam para o fortalecimento do poder central, em detrimento da autonomia de São Paulo.
Nesse contexto, observa-se uma disputa política entre o Partido Republicano Paulista (PRP) e o Partido Democrático (PD), que almejavam se consolidar no poder. Na tentativa de ampliar as suas bases eleitorais, os membros do PD se aliam aos grupos que pregavam a idéia de uma revolução objetivando minar o poder das oligarquias paulistas representadas pelo PRP. Nesse intuito, o PD une forças a Aliança Liberal que, por sua vez englobava o movimento tenentista. Contudo, essa manobra política resultou mais tarde no descontentamento dos membros da PD, pois segundo Pandolfi (2003, p. 19), ocorrera no imediato pós-30 a nomeação pelo governo federal do tenente pernambucano João Alberto para ocupar a chefia do estado de São Paulo, incomodando assim a elite paulista. Em junho de 1931, o PD exige a deposição de João Alberto nomeando-se em seu lugar o paulista Laudo Ferreira de Camargo. Porém, com a sucessão de crises, em menos de dois anos a interventoria do Estado de São Paulo sofreu cinco substituições.
Face aos acontecimentos mencionados, eclodiu em São Paulo no mês de julho de 1932, uma revolução que logo se transformou na pior guerra civil vivida pelo país. O autor Edgard Carone (1974, p. 306) ressalta que os paulistas organizaram e conduziram todo o movimento contra o governo federal por não estarem satisfeitos com as perdas sofridas, principalmente nos planos políticos e econômicos, pelo Estado de São Paulo no pós-30. Durante todo o período revolucionário, os revoltosos buscaram avidamente o apoio das distintas classes sociais para a luta. Para entendermos como o movimento conseguiu apoio dos civis, iremos analisar a propaganda e a ideologia empregadas.

A ideologia política como arma de mobilização para a luta

A classe dominante paulista conseguiu, através de meios ideológicos, mobilizar um número extraordinário de pessoas a aderirem à causa revolucionária. Essa elite utilizava um discurso que representava toda a sociedade e todos os seus interesses, se dirigindo assim, às várias camadas sociais objetivando a contribuição da maioria para a vitória paulista.

Outro não é o papel da ideologia; no discurso ideológico, o dominante reveste-se de generalidade e universalidade procurando anular a realidade das classes e a contradição entre elas. Com isto ocorre a identificação de uma parte da divisão com o todo, imaginariamente indivisível. Dessa forma, as idéias da classe dominante passam a ser aceitas como as únicas verdadeiras e válidas para o conjunto da sociedade. (CAPELATO, 1981, p. 20).


Os apelos para a mobilização eram dirigidos ao “povo paulista”, isso significava que qualquer um, independente de sua classe social deveria receber o chamamento para o combate. Por essa razão, a classe dominante dirigiu-se a população por meio do apelo as suas categorias profissionais. Dessa maneira, muitos intelectuais se solidarizaram com a revolução pró-constitucionalista. Os modernistas da semana de 1922 contribuíram com produção iconográfica, cartazes de propaganda, ilustrações em revistas e livros, além de letras de músicas de hinos e canções marciais. Anita Malfati, Monteiro Lobato, Menoti del Pichia ( que escreveu a obra a Revolução Paulista), Mario e Oswald de Andrade, Afonso Schimidt ( autor de A Locomotiva), e o cantor Francisco Alves foram exemplos de artistas que ajudaram, às vezes de forma anônima e gratuita, a “causa paulista”. O autor Jeziel De Paula comenta:

O ímpeto revolucionário e o entusiasmo patriótico despertaram uma criatividade artística intensa que se manifestou em todas a áreas e atividades. No curtíssimo período de apenas 85 dias floresceu de forma surpreendente uma verdadeira geração de obras de arte. Esse universo iconográfico, relativo a um mesmo tema, não encontra paralelo em nossa história, principalmente se consideramos que, em sua maioria, eram obras anônimas nas quais predominava o espírito da colaboração. Não buscavam, esses artistas, a glória e o reconhecimento pessoal, mas a vitória coletiva da causa constitucionalista em que acreditavam. (1999, p.236)



O papel dos meios de comunicação na propaganda da Revolução de 1932

Na cruzada pró-constitucionalista, todos os meios de comunicação de massa se empenharam no sentido de sensibilizar, por meios dos sentimentos de regionalismo, nacionalismo e busca por liberdade, para abarcar o maior número de pessoas para a luta armada. Panfletos, jornais, rádios, cartazes, comícios, slogans, eram os meios usados para incitar a população a pegar em armas. No domínio da consciência pública, a grande imprensa, teve o papel de destaque, como principal formadora de opinião.
Faz-se necessário, portanto, dar um maior destaque aos cartazes produzidas na época, para compreendermos como foi essa abordagem à população. De Paula explica:

Os muros e postes das cidades paulistas foram forrados por trabalhos publicitários que incentivavam o alistamento militar voluntário, solicitavam a doação de bens e de serviços e enalteciam os que lutavam pela causa. Todos, porém, traziam de uma forma ou de outra a tônica da brasilidade, conclamando à união nacional. (1999, p. 240)



A análise dos cartazes

Observando as figuras 1 e 2, nota-se claramente o chamado para o alistamento de jovens soldados, para as frentes de combate dos conflitos iniciados em 9 de julho de 1932. Há nesses cartazes também, a ideologia nacionalista aliada aos interesses regionais de São Paulo, indicados pelos distintivos das bandeiras paulista e brasileira entrelaçadas. A idéia proposta era estender a causa paulista ao restante do país para a derrubada do governo provisório de Getulio Vargas.
Figura 1 Figura 2



Outro cartaz emblemático foi o que utilizava a figura do bandeirante Fernão Dias (Figura 3), subjugando o representante do governo federal com os dizeres: Abaixo a ditadura. A tradição paulista, do bandeirante símbolo do heroísmo e vigor da raça, foi reavivada, como forma de fortalecer a identidade paulista. Maria Helena Capelato pondera
Naquele momento, os bandeirantes não eram apresentados como símbolo dos representantes das tradicionais famílias paulistas (os “paulistas de 400 anos”, descentes de Fernão Dias.) Esse versão, sempre presente na literatura, se revestia agora de uma outra conotação. “Bandeirante era todo paulista que se dispusesse a partir para a luta”. (1981, p.40)

Figura 3
As mulheres da sociedade paulista também foram tema dos cartazes. Elas foram convocadas para trabalharem como enfermeiras, cuidando dos combatentes feridos nas trincheiras, ou mesmo em hospitais das cidades do estado de São Paulo. A figura 4 representa, mais uma vez, a convocação para a participação na Revolução de 1932.

A Cruz Vermelha Internacional ministrou, dia e noite, rápidos cursos de enfermagem para moças solteiras e viúvas. Imediatamente após aprendidos os rudimentos da atividade, elas seguiam para os hospitais de sangue e postos de emergência nas frentes de batalha. (DE PAULA, 1999, p. 151).


Além de enfermeiras, as mulheres serviram como costureiras das fardas militares e algumas chegaram a combater como soldados. As jovens e as mães das famílias mais abastadas formaram grupos assistenciais às famílias das vitimas da guerra e mesmo aos soldados entrincheirados nas cidades do interior.
Figura 4

Observando as figuras 5 e 6, e no detalhe a figura 7, nota-se uma curiosa semelhança do mapa paulista, estilizado no rosto de uma mulher com um barrete e do famoso quadro Liberdade guiando o povo, 1830-1831 de Eugene Delacroix. Esse quadro do século XIX tem como tema as insurreições parisienses de 27 - 29 de julho que depôs o Rei Carlos X. (BURKER, 2004, p. 76).
As coincidências nas características pictóricas do cartaz com o mapa e a da obra de Delacroix não são por acaso. Ambos estão carregados de uma ideologia de proclamação a liberdade e do fim do subjugo de governos ditatoriais.



Figura 5 Figura 6


Figura 8


Outro caso de similaridade entre imagens de propaganda política é notada nas figuras 8 e 9. O modo como os desenhos do soldado constitucionalista e o personagem estadunidense Tio Sam, evocam obrigatoriedade e o apelo agressivo à convocação do alistamento militar. Sem dúvida, a referência do cartaz norte-americano elaborado por James Flagg em 1917 na ocasião da Primeira Guerra Mundial, foi apropriada pelos idealizadores dos panfletos paulistas.
Vale ressaltar também a importância dos slogans que acompanhavam sempre os cartazes. Capelato explica que estes textos rápidos camuflavam o caráter autoritário dos apelos. “ Você tem um dever a cumprir”, “Consulte a sua consciência”. Aqueles que não se dispusessem a participar da luta, estavam sujeitos à delação que era feita contra os “maus paulistas”. (1981, p. 34)
A campanha do ouro foi outro marco na propaganda ideológica da revolução. Expressada nas palavras de Menotti del Picchia: “ Paulistas, vós que tendes o coração de ouro, dai ouro para São Paulo”, traduzia o objetivo de arrecadar valores para o pagamento dos custos da guerra. Essa campanha assumiu características moralistas, por quanto, qualquer um, sendo rico ou pobre, doou jóias de ouro para o bem de São Paulo.


Figura 8 Figura 9


Considerações finais

As imagens da Revolução Constitucionalista sejam de natureza artística, publicitária, fotográfica, foram fundamentais para a construção do imaginário de solidariedade e de persistência ao combate na guerra civil deflagrada em julho de 1932.
O estudo da imagem é hoje uma constante, pois auxilia na produção histórica e no melhor entendimento dos fatos ocorridos ou das relações sociais estabelecidas entre os personagens. Por tanto, esse artigo teve como objetivo apresentar a ideologia política da guerra representada nos cartazes paulistas da década de 1930.






REFERÊNCIAS

BURKER, Peter. Poder e Protesto. In: _____. Testemunha Ocular. Bauru, SP: EDUSC, 2004. p. 73 - 98.

CAPELATO, Maria Helena. Os articuladores de 32 e a mobilização para a luta. In: _____. O movimento de 32: a causa paulista. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 20 - 49.

CARONE, Edgard. Da união sagrada contra o perrepismo à Revolução de 1932. In: _____. A República Nova (1930 - 1937). São Paulo: Difusão Européia do Livro: São Paulo, 1974. p. 283 – 315.

DE PAULA, Jeziel. Imagens da Mobilização. In: _____. 1932: imagens construindo a história. São Paulo: Ed. da Unicamp, Ed. UNIMEP, 1999. p. 97 - 150.

FAUSTO, Bóris. A Primeira República. In: _____. História do Brasil. 12. ed. São Paulo: EDUSP, 2004. p. 243 – 328.
FERREIRA, Marieta de Moraes; PINTO, Surama Conde Sá. A crise dos anos 1920 e a Revolução de 1930. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O Brasil Republicano: o tempo do liberalismo excludente – da Proclamação da República à Revolução de 1930. v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 387 – 415.

MENDONÇA, Sônia Regina de. Estado e Sociedade: a consolidação da República Oligárquica. In: LINHARES. Maria Yedda (org). História Geral do Brasil. 9. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p. 316 – 350.

PANDOLFI, Dulce. Os anos 1930: as incertezas do regime. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O Brasil Republicano: o tempo do nacional-estatismo – do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 13 – 37.

Um comentário:

  1. Quem quiser ter acesso aos cartazes, pode entrar em contato com a autora do artigo, Nana Alba Bernarda


    ciborguenanakrishna@facebook.com

    https://www.facebook.com/Ciborguenanakrishna

    ResponderExcluir