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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Cristina


Ivanoé, não suportava mais ver aquilo, a neta impaciente dividia o olhar, entre a janela da frente da casa e o telefone, estalado, na mesa no centro da sala de estar. Era um olhar difuso, um misto de desespero, de ansiedade, de expectativa e de dor.
– Márcia minha filha, o que foi? O que tens minha filha? – Disse impaciente Ivanoé, o velho delegado, ao interromper a leitura do Jornal da tarde, ele estava sentado confortavelmente, na sua poltrona de leitura. Ivanoé, estava aposentado somente a alguns meses, da polícia civil, e desde que o seu único filho lhe faltara, deixando a neta, ainda um bebê de colo, como seu bem mais precioso na vida, nada mais importava de fato na vida. Uma vez que a esposa de Ivanóe, não era mais nada que uma mera sombra do passado, depois que ela falecera há tempos atrás. Era um passado, que ele fazia questão de esquecer por completo. Agora Ivan, como gostava de ser chamado, estava aposentado e não tinha mais que dividir seu tempo entre as duas coisas que mais amava na vida. Nada mais importava de fato, se não Márcia sua neta. Uma vez que uma das suas duas paixões, a polícia civil, já não fazia mais parte da vida cotidiana de Ivan. Mas, ele não lamentava o fato, a vida é assim mesmo, tudo passa nesse mundo, menos a família, pois o sangue sempre prevalece. Pelo menos, era assim que o velho policial civil encarava a vida.

– Márcia minha filha, o que é isso ai no teu braço?
– Ainda é uma ‘’tatto’’ meu pai, e foi mês passado, quando o senhor me perguntou o que era, é hoje ainda uma ‘’tatto’’ e será amanhã também uma ‘’tatto’’. Ela, vai ficar bem aqui, no meu braço por muito tempo! Vai ficar bem aqui e para sempre na vida minha vida.
Ivan gostou de ouvir a neta o chamar de pai. Mas, passou a não gostar do linguajar desrespeitoso, da neta de tempos para cá, nem estava gostando das roupas que ela vinha usando, eram trajes diáfanos e negros como a noite, Márcia tão rebelde e revoltada com tudo e todos, como era parecida com Aldo nesse aspecto: - Meu Deus, como Márcia é parecida com o Aldo em tudo!– pensou Ivan consigo mesmo. E olhando a neta parada diante dele, de repente Ivan foi tomado por velhas recordações, dos tempos da infância e da adolescência, quando Ivan e Aldo eram praticamente inseparáveis. Eram insolúveis e indissociáveis, onde estava um o outro também estava, aonde um ia o outro também ia. E como, os caminhos que a vida adulta os fizeram mudar de lado. Ivan foi ser policial civil e Aldo se engajar na luta armada, eram os anos de chumbo, anos negros da ditadura militar. Aldo desaparecera por completo, por algum tempo, da vida de Ivan, sumira em meio ao caos que o país estava mergulhara naquele momento. Ivan, só ficou sabendo onde estava o irmão por vias tortas. E teve que ajudar o irmão a voltar para casa. E como foi difícil, aquilo para Ivanoé, ver o irmão no cárcere, preso como um marginal qualquer. 
             – Filha, tua amiga não te ligou mais, e nem veio te visitar? Que coisa estranha? Não é mesmo minha filha! – A voz de Ivan era pastosa e cheia de ternura, muito diferente do tom forte e autoritário de poucos minutos. Mas, Márcia não respondeu a pergunta feita por Ivan, e como aquele silêncio incomodava Ivan profundamente.
 Tinha aquela súbita união das duas moças, e de repente as duas eram tão inseparáveis. Era o cinema, a praia, shows, as peças de teatro e os mais variados programas, até mesmo futebol as duas andavam assistindo juntas. E como aquilo deixava Ivan muito preocupado em demasiado. Para Márcia, parecia que não existia mais ninguém no mundo, há não ser a amiga Cristina. E agora esse sumiço repentino de Cristina, uma moça tão meiga e doce, tão diferente da neta. Cristina era diferente em tudo, nos estudos, nas roupas e tudo mais. Se Cristina era o frescor de uma manhã primaveril, Márcia era saturna e intensa como uma noite de tempestade e frio no inverno. A princípio, aquela estranha amizade não incomodava em nada o velho policial, ele até achava bom ver a neta, sempre solitária, na companhia de alguém. Mas, agora olhando por outro prisma, Ivan começou a pensava o oposto, aquele dependência de Márcia pela companhia da amiga, não deixava que Márcia vivesse a própria vida. Cristina monopolizava a vida de Márcia de um jeito, que estava assustando Ivan. Na visão do velho policial a neta parecia querer viver a vida da outra. Era esse o confuso quadro formado na cabeça de Ivanóe.
            – Aldo meu irmão...
             O que foi pai, ‘’ta’’ falando comigo?
            – Nada minha filha, só estava pensando no teu tio, que ainda está morando no estrangeiro, saudades, só isso minha filha, Márcia o que é isso no teu nariz, minha filha?
            – É um piercing...
            – Já sei... já sei... ainda é um piercing, e foi mês passado quando o teu velho pai...
             – Pai, o amor é mesmo uma coisa tão estranha, não é mesmo? Pega a gente de tal jeito, e não larga mais, e dói tanto!
            Só agora olhando com mais atenção, Ivan notou a tatuagem vermelha em forma de coração, com a inscrição ‘’Cris’’ no braço esquerdo da neta.   
Samuel da Costa é contista em Itajaí  

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