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terça-feira, 4 de outubro de 2011

Um poema do camarada Lênin

Por Jefferson Vasques* do blog Eu Passarin

Através do livro de poesias “Um livro vermelho para Lênin” do poeta guerrilheiro Roque Dalton descobri que Lênin teria escrito um poema longo e épico e que não constava em suas Obras Completas. No livro de Dalton, aparece um trecho desse poema. Pesquisando na internet, consegui achar a versão integral traduzida para o espanhol por Waldo Rojas (que partiu da versão em francês de Gregoire Alexinsky).

O poema foi escrito durante a primavera de 1907, ano em que Lênin passou em Selvista, aldeia da Finlãndia. Ali pode descansar um ano e meio da intensa atividade política quase sempre na clandestinidade. Durante sua estadia na aldeia manteve grandes discussões sobre literatura revolucionáría e criação poética com Piotr Al. Para ilustrar essas discussões Lênin escreveu em três dias este poema. Esse poema seria publicado na revista de Ginebra Raduga (Arcoiris) dirigida por Piotr Al, mas a publicação se desfez antes de incluir em suas páginas este poema que seria assinada por “Um russo”.

Literariamente não é muito valioso, mas é uma peça importante pra compreender esse grande pensador russo e como ele enxergava a revolução de 1905. Até onde vi, esta é a primeira tradução para o português.

O único poema de Lênin conhecido

Tempestuoso ano aquele. Os Furacões sobrevoavam
o país inteiro. Se desatavam as nuvens carregadas,
sobre nós se precipitava a tempestade, e o granizo e o trovão.
Feridas
Se abriam nos campos e nas aldeias debaixo dos golpes do chicote terrestre.
Estalavam os raios, os relâmpagos retumbavam violência.
O calor queimava sem piedade, os peitos estavam oprimidos
E o reflexo dos incêndios iluminava
as trevas mudas das noites sem estrelas

Transtornados os elementos e os homens,
os corações oprimidos por uma inquietude obscura,
ofegavam os peitos de angústia,
ressecadas as bocas se cerravam.
Mártires aos milhares morreram nas tempestades sangrentas,
mas não em vão sofreram eles o que sofreram, sua coroa de espinhos,
Pelo reino da mentira e das trevas, por entre escravos hipócritas,
eles passaram como as tochas do porvir.
Com traço de fogo, com um traço indelével,
eles gravaram diante de nós a via do martírio,
e na carta da vida, estamparam o selo do opróbio
sobre o jugo da escravidão e da vergonha das correntes…
O frio se intensificava. As folhas murchavam e caíam
E colhidas pelo vento se amontoavam em uma dança macabra.
Vem o Outono cinza e pútrido,
lacrimejante de chuva, sepultado de barro negro.

E para os homens a vida se fez detestável e opaca.
Vida e morte lhes foram igualmente insuportáveis,
Os rondavam sem trégua a cólera e angústia.
Frios e vazios e escuros seus corações como seus lares.
E de repente, a Primavera! Primavera em pleno Outono putrefeito,
A Primavera Vermelha descendo sobre nós, bela e luminosa,
Como um presente dos céus ao país triste e miserável,
Como uma mensageira da vida.

Uma aurora escarlate como uma manhã de maio
Se levantou no céu abafado e triste;
O sol vermelho, cintilante, com a espada de seus raios
Perfurou as nuvens e se dissipou a mortalha da bruma.

Como o fogo de um farol no abismo do mundo,
Como a chama do sacrifício no altar da natureza,
Aceso para a eternidade por uma mão desconhecida,
Conduziu até a luz os povos adormecidos.

Rosas vermelhas nasceram de sangue ardente,
flores de púrpura se abriram,
e sobre as tumbas esquecidas
trançaram coroas de glória.

Atrás do carro da liberdade,
e brandando a bandeira vermelha
fluiam multidões semelhantes a rios,
como o despertar das águas com a primavera.

Os estandartes vermelhos palpitavam sobre o cortejo,
se elevou o hino sagrado da liberdade
e o povo cantou com lágrimas de amor
uma marcha fúnebre para seus mártires.

Era um povo jubiloso,
seu coração transbordava de esperanças e de sonhos,
todos criam na liberdade que viria,
desde o sábio ancião até o adolescente.

Mas o despertar segue sempre ao sonho.
A realidade não tem piedade.
E à beatitude das fantasias e da embriaguez
segue a amarga decepção.

As forças das trevas se agarravam nas sombras,
arrastando e vaiando o povo. Esperavam.
E repentinamente fundiram seus dentes e suas navalhas,
nas costas e nos calcanhares dos valentes.
Os inimigos do povo, com suas bocas sujas,

Bebiam o sangue quente e puro
quando os inocentes amigos da liberdade
esgotados por penosas caminhadas,
foram pegos de surpresa, sonolentos e desarmados.

Se esfumaram os dias de luz,
os substitui uma série interminável e maldita de dias negros.
A luz da liberdade e os sol se extinguiram.
Um olhar de serpente espreita nas trevas.

Os assassinos sem escrúpulos, os progroms, o lodo das denúncias,
(progrom: assassinato e saqueio de judeus)
são proclamados atos de patriotismo,
e o rebanho negro se regozija
com um cinismo sem freio,

Salpicada com o sangue das vítimas da vingança,
mortas com um pérfido golpe
sem razão nem piedade,
vítimas conhecidas e desconhecidas.

No meio de vapores de álcool, madizendo, mostrando o punho,
com garrafas de vodka nas mãos, multidões de pilantras,

Correm, como um tropel de bestas,
Fazendo soar as moedas da traição,
E bailam uma dança de apaches.

Mas Emilinho, o pobre idiota,
(Yemelia:diminutivo de Yemelian (Emiliano), entre os russos é sinônimo de idiota)
a quem as bombas tornaram mais tonto e assustadiço, treme como um rato,
E em sua festança ajeita com aprumo a insígnia dos Cem Negros.
(Cem Negros:partido czarista, policial, anti-semita e reacionário, precursor russo do nazismo)

A risada lúgubre das corujas e das rapinas noturnas
Ressoam na escuridão das noites, anunciando a morte da liberdade e da alegría,
E um Inverno cruel, com a neve tempestuosa,
Vem do reino dos gelos eternos.

Com suas neves espessas, semelhantes a uma mortalha branca,
O inverno voltou ao grande país.
Atando a Primavera com correntes de gelo,
O frio-verdugo lhe deu morte antes do tempo.
Como manchas de barro, por aqui e por ali, aparecem
As pequenas ilhas negras das aldeias miseráveis sepultadas abaixo das neves.

A fome junto à miséria e ao frio pálido
Por toda parte se protegem nas moradas pestilentas.
Através da planura da neve sem fim,
Através das estepas, sem medida nem limite,
Onde o verão o vento ardente traz consigo um calor tórrido,
Nefastos temporais de neve vão e vêm como brancos pássaros de rapina.
A tempestade uiva como uma besta selvagem e de pele emaranhada,
Precipitando-se sobre tudo que conserve uma gota de vida,
E voa, com estrépito, como uma terrível serpente alada,
Para apagar da face da terra todo rastro de vida.

A tempestade dobra as árvores, quebra os bosques,
Amontoa a neve nas montanhas geladas.
Os animais se protegem em suas tocas.
Desapareceram as veredas e o viajante é engolido sem deixar rastros.

Magros lobos aparecem, famintos,
Erram sobre os passos da tempestade,
Ferozes, à presa se conduzem un aos outros,
Uivam à lua, e todo o vivo treme de espanto.

A coruja ri, o lechy selvagem golpeia as mãos.
(Lechy: espirito do bosque segundo os contos populares russos)
Ébrios, os demônios negros giram en torvelinho
E fazem estalar os ávidos lábios: sentem o cheiro de uma grande matança
E esperam o sinal sanguinolento.
O gelo cobre tudo, morte em todas partes, tudo jaz rígido.
Toda vida parecia esfumada,
Uma fossa comum o mundo inteiro, uma fossa única.
Nem sequer as sombras da vida livre e luminosa.

Mas é ainda cedo para que a noite triunfe sobre o día,
Para que a sepultura celebre sua festa de vitória sobre a vida
Ainda debaixo das cinzas se incuba a faísca.
A faísca que a vida reanimará com seu sopro.

A flor da liberdade quebrada e desonrada
foi pisoteada e morta está para sempre.
Os negros se regozijan ao ver aterrado o mundo da luz,
Mas na terra natal o fruto desta flor já espera no subsolo.

Nas entranhas da mãe o grão milagroso
Misterioso se conserva e invisível;
Há de ser alimentado pela terra, se reanimará na terra,
Para renascer para uma vida nova.

Levará o germe ardente da nova liberdade,
Fundirá a crosta do gelo, a fenderá,
Crescerá e -árvore gigante- iluminará o mundo com sua folhagem vermelha,
O mundo inteiro surgirá a sua luz, e debaixo de sua sombra
congregará a todos os povos.
As armas, irmãos! A felicidade está próxima! Coragem! Ao combate!
Adiante!
Desperta vossos espiritos! Expulsa de vossos corações o medo covarde e servil!
Estreita vossas filas! Todos unidos contra os tiranos e os amos!
A sorte da vitoria está em vossas poderosas mãos de trabalhadores!
Coragem! Este tempo de desgraças passará rápido!
Os levanta como um só contra os opressores da liberdade!
A Primavera chegará … se aproxima … já vem.
A vermelha liberdade, tão bela, tão desejada, caminha até nós!

Autocracia
Nacionalismo
Ortodoxia
Já demonstraram irrefutavelmente suas altas virtudes:
Em seu nome se nos golpeava, se nos golpeava, se nos golpeava,
Até o sangue mesmo se castigava aos mujiks,
(mujiks: campesinos russos)
Se os quebravam os dentes,
Se sepultava aos homens nos presidios, encarcerados,
Se saqueava, se assassinava,
Para nosso bem, segundo a lei,
Para a glória do Czar e para a saúde do Império,
Os servidores do Czar davam de beber aos verdugos,
Com a vodka do Estado e o sangue do povo
Seus soldados regalavam a seus corvos de rapina.
Se dava de beber aos executores das altas ordens,
Se alimentava a seus corvos de rapina

Com os cadáveres ainda tibios dos escravos rebeldes
E com os cadáveres dóceis dos escravos mais fiéis.
Com uma oração ardente, os servidores de Cristo
Regavam de agua benta um bosque de horcas.

Hurra! Viva nosso Czar!
Com seu nó de marinheiro bem ensaboado e bem benzido!
Viva o escudeiro do Czar,
Com seu chicote, seu sabre e seu fusil!

Soldados, afogai vossos remorsos
Em um pequeno copo de vodka!
Disparai, valentes, sobre as crianças e sobre as mulheres!
Matai o maior número possível de vossos irmãos para divertir ao papaizinho.

E se teu própio pai cai sobre tuas balas,
Que se afogue em seu sangue, vertido pela mão de Caim!
Embrutecido pela vodka do Czar,
Mata a tua própia mãe, sem piedade!
O que temes tu?
Não é aos japoneses, a quem tens a sua frente.
Não temes senão a teus próximos, a teus própios familiares,
E eles estão de todo desarmados.

Uma ordem se te dá, valete do Czar.
Sê como antes uma besta de carga, escravo eterno,
Enxuga tuas lágrimas com tua manga
E golpeia o solo com tua testa!

Oh, povo, fiel, feliz
Amado pelo Czar até a morte,
Suporta tudo e obedece até a morte …
E fogo! Chicote! … Golpiai … !
Deus: protege o povo,
Poderoso, majestoso!

Que nosso povo reine, fazendo suar de medo aos czares!

Com sua tropa sem glória Nosso Czar está desencadeado (desprotegido?),

Com sua matilha de servidores desprezados
Os lacaios sujos se festejam
Sem lavar o sangue de suas mãos.
Deus: protege o povo
Durante os dias sombrios!
E tu, povo, protege a Bandeira Vermelha!

Opressão sem limite!
Chicote da polícia!
Tribunais de sentenças súbitas
Como as salvas das metralhadoras!
Castigos e fusilamentos,
Horrível bosque de forcas
Para castigar vossas rebeldias!

Lotadas estão as prisões,
Os deportados sofrem infinitudes,
As selvas desgarram a noite,
os abutres se saciam.
A dor e o duelo
Se estendem sobre o país natal.
Nem uma família alheia ao sofrimento!

Festeja com teus verdugos,
Déspota, teu banquete sangrento,
Roe, Vampiro, a carne do povo,
Com teus cães insaciáveis!

Semeia, Déspota, o fogo!
Monstro, bebe nosso sangue!
Levanta-te, Libertai!
Flameja, Bandeira Vermelha!

Vinga-os, castigai,
Torturai-nos uma última vez!
A hora do castigo está próxima!
Ja chega o tribunal. Saiba disso!

Pela liberdade
Iremos à morte, à morte,
Tomaremos o poder e a liberdade,
E a terra será do povo!

No combate desigual
Cairão vítimas sem nome!
Pelo trabalho livre,
Seus olhares flamejam ameaças.

Se lançam até o céu,
Eterno carrilhão do trabalho!
Golpeia, martelo, golpeia para sempre.
Pão! Pão! Pão!

No combate desigual
caíram vítimas sem nome pela libertação do trabalho.
Seus olhares flamejam ameaças…

Marchai, marchai, campesinos!
Vós não podeis viver sem a terra.
Os expulsaram os senhores,
os oprimirão ainda por muito tempo?

Marchai, marchai, estudantes!
Muitos de vós serão ceifados na luta.
Fitas vermelhas envolverão os ataúdes dos que caírem!

Marchai, marchai, famintos!
Marchai oprimidos!
Marchai humilhados!
Até a vida livre!

O jugo das bestas reinantes é nossa vergonha!
Expulsemos aos ratos de suas tocas!
Ao combate, proletário!
Abaixo todos os males!
Abaixo o czar e seu trono!

Já brilha a aurora da liberdade estrelada
e expande sua chama.
Os raios da felicidade e da verdade
aparecem ante os olhos do povo.
O sol da liberdade
nos iluminará através das nuvens.

O canalha do Czar,
“Debaixo das patas dos cavalos com eles!”,
Dirá a poderosa voz de toque ao rebanho
Glorificando a liberdade.
Destruiremos as abóbadas das prisões.
A justa cólera está rugindo,
A bandeira da libertação
Conduz a nossos combatentes.

Tortura, Okhrana,
(Okhrana:polícia secreta czarista)
Chicote, cadafalso, abaixo!
Desacorrenta-te, combate de homens livres!
Morte aos tiranos!

Extirpemos pela raiz
o poder da autocracia.
Morrer pela liberdade é uma honra,
viver em correntes uma vergonha!
Deitemos por terra a escravidão,
a vergonha do servilismo.
Oh, liberdade, nos dê
a terra e a independência!

*Jefferson Vasques é militante-educador do "movimento Camará", poeta e autor do livro "Subverso (barulho no escuro dos corpos)".

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