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terça-feira, 2 de julho de 2013

GIGANTE - PARTE I

As manchetes dos jornais naquela manhã de domingo imploravam para que os leitores fossem ao circo.

A lona era enorme, o diâmetro cobria as duas laterais do campo de futebol da gurizada, campo no qual foi disposta de modo centralizado, com os enormes pregos enferrujados esburacando ainda mais o já surrado chão duro, de terra batida, onde mal nascia uma erva daninha. Ao redor da lona, em minúsculas e precárias jaulas enfileiradas, uns animais famintos aguardavam pacientemente a hora da morte – uma banzaria de dar dó. E era em dó, e não em sol, que o palhaço cantarolava “Tristeza e Solidão”, do Baden com o Vinícius, certamente por causa da cozinheira, que havia lhe deixado na última parada para viver com um cobrador de lotação. A vida demorava a passar por ali, e quase todos sentiam isso com melancolia. Menos o impassível elefante...

Não tinha visto muita coisa em vida (e agora, após a submersão, já nem vejo mais coisa alguma), mas, certamente, este é o maior animal que existe. Tudo bem, alguém há de protestar: há animais maiores no oceano! Mas nunca avistei o oceano, inclusive... Se quisessem mesmo mudar minha opinião, colocassem aqui, no chão de terra batida do campinho, um destes monstros marinhos, e talvez, se o visse, eu daria fé. “Porque tudo aquilo que jamais é visto – não existe...”, já postulou um poeta de verdade. Nem mesmo o oceano existe!

Aquele elefante existiu. E ainda existe, já que dele não se esquece. Não sabemos ao certo se ele manteve seu corpo monumental por tanto tempo ali, sob a autoridade deselegante e cruel de seus tratadores, por comodidade ou por falta de lugar para ir. Afinal, para onde mais um elefante iria fora de seu habitat na África selvagem? Para uma feira dominical? Fazendo jus ao frasista popular anônimo que justamente ilustrou uma das cenas que mais poderia causar transtornos? “Tão incômodo quanto um paquiderme na feira”...

Chamavam-no Ali, em homenagem a outro gigante impávido. Provavelmente ele não dava por isso. Nem Clay e nem Ali existiram para aquele paquiderme. Por outro lado, ninguém se preocupa muito com os carrapatos que infestam sua derme, alguns formando imensas câmaras e palacetes nas aberturas de seu aparelho auditivo. Ali protestava, abanando em leque as enormes orelhas, raramente algum dos parasitas caía... Em sua terra natal, as insuportáveis búfagas lhe visitariam para devorar esses parasitas hediondos; não sem dilacerar-lhe a carne, arrancando em movimentos torturantes partes do enorme corpo, além de muito sangue. Há remédios que curam uma gripe sacrificando o enfermo.

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Fábio Henrique de Carvalho
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