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segunda-feira, 15 de julho de 2013

GIGANTE – PARTE II

Convém, em tempo, explicar o motivo pelo qual narro estes episódios. Nove semanas antes da chegada do circo, encontrava-me na capital, dormindo de favor na casa de um dos muitos amigos que fiz – faço muitos por todo canto, inda hei de fazer um no litoral – enquanto passava os dias à procura de emprego. A peregrinação foi cansativa e inócua, mas pude recolher alguns aprendizados.

Tomei um ônibus na Praça Oito em um dia de agitação. Pessoas enfileiravam-se na parada e acotovelavam-se umas às outras como se o objetivo de todas não fosse o mesmo; e cada um agindo como se o real causador de seu transtorno fosse o semelhante que lhe ladeia. Não pude oferecer muita resistência quando, após muita espera, apareceu o primeiro coletivo: fui empurrado porta adentro pela turba, formando uma imagem patética – sabendo que aquele não era adequado ao meu destino, punha-me na contra mão, e era obrigado a caminhar de costas contra a minha vontade. E, de costas, tive que subir as escadas do coletivo.

A quantidade de indivíduos comigo na entrada já seria suficiente para lotar aquela jaula coletiva móvel; porém, ela já estava com espécies em excesso. Dentro, algum infeliz tentava tornar a vida do próximo tão infeliz quanto a sua, ouvindo alguma coisa em som horroroso, num volume acima das necessidades individuais. O vocabulário não foi reconhecido pela minha pobreza gramatical, mas supus que alguém repetia “eu quero tu”, ou algo semelhante, e mais outros quereres, e “tus” e “tas” – tais quais os pronunciados em nossa língua, mas parecendo outra. Só pude lamentar pela vida do querido.

Imediatamente, não sei se em manifestação de desagrado ou em puro ato de apoio ao infeliz, outros sons começaram a atormentar a ideia de todos, inclusive a do condutor, que parou o ônibus, e definiu que só prosseguiria com o fim da orquestra insólita e inaudita de telefones móveis.

Assim como fui levado pela turba porta adentro, fui empurrado porta afora, num séquito de revoltosos.

Estando eu numa cidade que não é a minha, numa lotação que não queria tomar e, para confidenciar em honesta verdade, sem um rumo definido, resolvi abraçar a vontade do acaso e decidi continuar sem rumo, mas com força motriz própria.

Esbocei poucos passos hesitantes até parar, contemplando uma construção diferente das demais; um casario de cor destoante, com uma porta larga. Estando aberta, pude perceber uma pequena aglomeração. Imaginei que fosse algum edifício público e, curioso de seu estado interno, ultrapassei a entrada.

No exato momento em que pus meu pé esquerdo no recinto (por teimosia, sempre inicio caminhadas pelo sinistro), alguém – que parecia ser a pessoa mais respeitada entre os presentes – chamou a nós todos para o início de uma reunião.

Com uma fome de fazer azedume na boca, e com escassos trocados nos bolsos, percebi de imediato as fartas porções de lanches num pequeno corredor de transição para o local da reunião... “O pior formato para um ambiente há de ser um corredor, a não ser que você queira um corredor”, ouvi certa vez. Porém, naquele momento, ouvindo o som de felicidade e ansiedade que ressoava do ventre, entendi que aquele corredor me serviria muito bem como um espaço de refeições. E, após seguir sem querer para onde não conhecia, sem ter ideia de quem eram aquelas pessoas e seus intentos, sem saber nem mesmo qual a finalidade daquele espaço, tive a primeira certeza do dia: a melhor refeição é sempre aquela que temos à disposição.


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Fábio Henrique de Carvalho
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